Destino de Lula vai ser decidido pelo Supremo no final do mês

Lula da Silva deveria assumir o cargo na próxima terça, mas não será ministro pelo menos até 30 de Março, data da próxima sessão do Supremo Tribunal Federal.

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Lula terá de esperar por uma decisão do Supremo Tribunal federal, a 30 de Março, para saber se vai ser ministro REUTERS/Nacho Doce

Na sexta-feira à noite, o Brasil acabara de assistir a mais uma transformação de Luiz Inácio Lula da Silva – a versão conciliatória do “Lulinha Paz e Amor” estava de volta, ele avisou que não vinha para o Governo brasileiro para “brigar” – quando um juiz do Supremo Tribunal Federal suspendeu a nomeação do ex-Presidente como ministro do Governo de Dilma Rousseff. Foi o ponto final numa semana de muitas reviravoltas em que Lula da Silva se tornou ministro da Casa Civil, e ex-ministro, e assim sucessivamente. A decisão do juiz Gilmar Mendes é provisória e prevalecerá até que o plenário do Supremo, composto por 11 magistrados, julgue o caso de forma definitiva. Lula deveria assumir o cargo na próxima terça, mas não será ministro pelo menos até 30 de Março, data da próxima sessão do Supremo Tribunal Federal.

A medida de Gilmar Mendes faz a situação de Lula voltar ao ponto em que estava antes desta semana: um ex-Presidente investigado por suspeitas de ter beneficiado ilicitamente do esquema de corrupção posto em prática na companhia estatal Petrobras. Ou seja, Lula volta a estar nas mãos do juiz da operação Lava Jato, Sérgio Moro, depois de duas semanas de um intenso braço-de-ferro entre os dois, presenciado em tempo real pelo resto do país. Gilmar Mendes concluiu que a única finalidade por trás da nomeação de Lula foi salvaguardá-lo de qualquer acção penal por parte de Sérgio Moro, já que, como ministro, o ex-Presidente teria imunidade num tribunal de primeira instância e só poderia ser investigado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Moro ganhou, pelo menos para já.

Os rumores de que Lula, 70 anos, iria ocupar um cargo no Governo de Dilma Rousseff começaram pouco depois de o ex-Presidente ser alvo de um mandado de busca e ter sido levado sob escolta para depor na Polícia Federal em São Paulo no dia 4. Tudo se precipitou desde então: Lula reagiu com críticas ferozes a Sérgio Moro; decretou o fim do “Lulinha Paz e Amor” (o slogan suave que adoptou na campanha presidencial de 2002 e que garantiu a sua eleição) e mobilizou a base do seu partido como se fosse um chamamento para a guerra. Na quarta-feira, depois de o Palácio do Planalto anunciar que Lula seria ministro da Casa Civil, Sérgio Moro divulgou escutas telefónicas, gravadas pela polícia, entre elas conversas do ex-Presidente com Dilma que foram interpretadas como uma clara confirmação de que a ida de Lula para o Governo visou apenas protegê-lo da alçada do juiz da Lava Jato.

Apesar de a divulgação dessas escutas telefónicas por Moro ter gerado um debate sobre a legalidade das mesmas, na sua decisão Gilmar Mendes cita o célebre diálogo sobre o termo de posse como prova de que, ao nomear Lula, o objectivo de Dilma foi “impedir a sua prisão”. Nessa breve conversa, que teve lugar na quarta-feira, Dilma informa Lula de que vai enviar-lhe o “termo de posse”, o documento oficial que o vincula ao cargo de ministro, para ser usado “só em caso de necessidade”. O juiz do Supremo concluiu que a Presidente ofereceu a Lula um salvo-conduto, a fim de o proteger de qualquer acção de última hora do juiz Moro. Segundo Gilmar Mendes, o gesto da Presidente pode configurar uma “fraude à Constituição”. A sua decisão teve como ponto de partida duas acções apresentadas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), rival do PT nas últimas eleições presidenciais.

A decisão de Moro de divulgar publicamente escutas telefónicas que incluem a Presidente da República, e o facto de ter incluído conversas que ocorreram já depois de ele próprio ter ordenado a interrupção das escutas, dividiu os juristas brasileiras quanto à legalidade das acções do juiz da Lava Jato e as suas intenções reais. A credibilidade e independência de Moro ficou abalada pelo que foi visto como um precipitado atropelo à Constituição e uma perseguição selectiva – afinal, várias figuras políticas de outros partidos estão sob investigação ou foram citadas na Lava Jato; Eduardo Cunha, que, ao contrário de Lula, já foi formalmente incriminado, continua a presidir tranquilamente à Câmara dos Deputados e a usar o seu cargo para acelerar o processo de impeachment contra Dilma; quatro dos deputados que integram a comissão especial que irá decidir se o pedido de destituição tem sustentação para avançar no Congresso são investigados pela Lava Jato e a maioria recebeu dinheiro das empresas envolvidas na rede de corrupção na Petrobras durante a campanha eleitoral de 2014.

A visão de um sistema judicial brasileiro imparcial foi posto em causa, também esta semana, pela decisão de um juiz federal de Brasília, Itagiba Catta Preta Neto, que suspendeu a nomeação de Lula na quinta-feira, pouco depois da cerimónia de posse. O Facebook pessoal do juiz contém várias publicações contrárias ao Governo, a Dilma e ao PT, incluindo uma selfie tirada na noite anterior, numa manifestação contra a nomeação de Lula. O próprio Gilmar Mendes já tinha criticado publicamente a nomeação de Lula para o Governo, antes de tomar a sua decisão, e esta semana almoçou com o senador José Serra e um economista, ambos do PSDB, segundo o Globo. É neste contexto delicado que os juízes do Supremo Federal irão decidir sobre o caso Lula, sabendo que não estão a decidir apenas sobre um ministro, mas sobre o destino político do Brasil.

Falando pela primeira vez em público desde o anúncio da sua nomeação, Lula disse que pretendia ser uma figura conciliatória no Governo.

“Foi só entrar no Governo que voltei a ser o Lulinha paz e amor”, declarou na sexta-feira à noite, perante uma Avenida Paulista lotada por milhares de apoiantes (80 mil, segundo a Polícia Militar), o mesmo lugar em São Paulo que em 2002 foi palco do seu primeiro discurso como Presidente do Brasil. “Eu quero que a gente aprenda a conviver de forma civilizada com nossas diferenças. A democracia é a convivência da diversidade.”

A decisão do juiz Gilmar Mendes foi anunciada pouco depois.

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