A caminho de Marte mas a olhar para Portugal

A Critical Software, de Coimbra, participou na construção da sonda para a missão ExoMars, da Agência Espacial Europeia, e aproveitou o lançamento desta segunda-feira para cativar estudantes do secundário para a área da informática, em que há vagas por preencher.

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Momento da descolagem do foguetão que levou a sonda da missão ExoMars para o espaço AFP PHOTO / KIRILL KUDRYAVTSEV

Uma imagem pouco definida mostra um plano estático de uma plataforma de lançamento espacial no cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Vive-se breves instantes de tensão e expectativa antes da ignição até que a câmara começa a acompanhar a ascensão do foguetão.

Momentos depois, uma voz anuncia em inglês que o lançamento da primeira missão conjunta entre as agências espaciais europeia e russa para explorar Marte foi bem sucedido e que a sonda ExoMars (ver caixa) deixou a atmosfera terrestre.

A transmissão do lançamento foi acompanhada em directo a partir de Taveiro, nos arredores de Coimbra, na sede da Critical, a empresa que desenvolveu o software do sistema central e que posiciona a sonda. Dentro de sete meses, se tudo correr como planeado, o dispositivo atinge o planeta vermelho, numa viagem que agora pode ser acompanhada no site da Agência Espacial Europeia.

Ontem, o hall de entrada da empresa encheu-se para acompanhar em directo o lançamento a partir de uma base na Ásia Central. Para além dos profissionais da Critical Software, cerca de 130 alunos de escolas secundárias de Coimbra e de Vila Nova de Poiares acompanharam este momento especial, seguindo um convite que o presidente executivo da Critical, Gonçalo Quadros, define como uma tentativa de cativar estudantes para a informática.

O objectivo, explicou aos jornalistas, é apresentar os jovens às ciências aerospaciais, para mostrar que “não há nenhuma razão para não se aproximarem de uma coisa que parece mais distante". Seria mais uma forma de incentivar os jovens a “enveredar por esta carreira”, numa altura em que se sente a falta de profissionais qualificados na área de tecnologias de informação e comunicação (TIC).

Gonçalo Quadros realça que este é um problema que afecta apenas Portugal e toda a Europa Ocidental e Estados Unidos. Por cá, o panorama no acesso ao ensino superior não é animador. No início deste ano lectivo abriram 871 vagas nos cursos de informática. Foram preenchidas 674, isto é 77,4% das vagas, mas cerca de dez pontos abaixo da média nacional de todo o ensino superior público.

Ainda assim, estas estatísticas representam uma evolução positiva em relação ao ano anterior. No concurso de 2014 abriram 900 vagas, tendo 522 sido preenchidas (58%).

Europa preocupada
Em Abril de 2015, dados da Comissão Europeia davam conta de que iriam ser precisos 15 mil profissionais nesta área em Portugal até 2020, apontando para a falta de formação em escala suficiente como a causa do problema – questionado pelo PÚBLICO, sobre medidas para o sector, o Ministério da Ciência e do Ensino Superior preferiu não fazer declarações. A questão não é exclusivamente portuguesa. Na União Europeia aponta-se para um défice de 900 mil destes trabalhadores até ao final da presente década.

Em Taveiro, ontem, o cenário não faria adivinhar uma mudança para melhor: quando Gonçalo Quadros perguntou aos 130 alunos quem tenciona enveredar por cursos superiores em engenharia, apenas dez levantaram o braço – e destes, só três são raparigas. Catarina Gaspar, a estudar 10.º em ciências, foi uma delas. Reconhecendo que “são poucas as mulheres que vão para engenharia”, a estudante mostra “fascínio pela matéria” e quer estudar engenharia ligada à Biologia.

Rodrigo Gonçalves não levantou o dedo, mas também não descarta a hipótese de ingressar num curso de engenharia informática. Isto apesar de a preferência ir, para já, para a Academia Militar.

Para Gonçalo Quadros, o escasso número de candidatos ali presentes “não foi uma decepção”, mas o objectivo nacional tem de passar por ver mais alunos a optar por estas áreas no futuro, sublinha.

O serviço de psicologia e orientação das escolas é uma ferramenta que ajuda a encaminhar os estudantes, mas este serve essencialmente para fazer a ponte do nono ano para o secundário, como explica o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas. Filinto Lima diz ao PÚBLICO que este trabalho é feito “sobretudo ao longo do nono ano”, durante o qual são aplicados testes, mais orientados para obedecer à predisposição do aluno para determinada área do que para o mercado de trabalho.

No final do secundário, o responsável explica que, muitas vezes, o encaminhamento é feito pelo professor em conversa com o aluno, que “tem já uma ideia do que quer fazer”. Para além da natural influência dos pais, Filinto Lima menciona também o trabalho de charme que as instituições de ensino superior fazem junto das escolas através de visitas e outras acções de promoção.

O apelo do estrangeiro
No espectro oposto a este trabalho feito à entrada do ensino secundário está a requalificação. Ou seja, pessoas que já concluíram o ensino superior noutras áreas mas passam por programas que as visam dotar de competências na área das TIC.

No programa de Governo do PS consta propostas de “reconversão de competências orientado para o sector das tecnologias de informação e comunicação”. Os socialistas querem “dar resposta à falta de recursos humanos” nestas áreas propondo-se a “superar as dificuldades de contratação das empresas instaladas em Portugal” através de parcerias entre universidades e empresas.

A Critical está envolvidas em dois desses programas. Um com a Universidade de Coimbra (UC), com a duração de nove meses e um estágio no final, outro com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), “mais curto”. Gonçalo Quadros explica que esses profissionais – maioritariamente com formação inicial em “resolver problemas”, como matemática e física – ficam aptos a trabalhar na área e a integrar as empresas. Porém, o responsável diz que não é suficiente. A empresa pretende recrutar, ao longo de 2016, cerca de uma centena de pessoas, mas o responsável diz que, neste momento, há um défice de 40. 

O IEFP assinou, em Julho, acordos de cooperação com 26 universidades e institutos politécnicos para a realização de 55 acções de formação para licenciados no desemprego. O acordo previa que cerca de 1400 licenciados no desemprego voltassem aos bancos da universidade para estudarem tecnologias de informação e comunicação. A formação de 300 horas (o equivalente a um semestre universitário) tinha como objectivo aumentar as probabilidades de reinserção no mercado de trabalho através da aquisição de competências como programação.

Para Quadros, este tipo de programas permite ajudar a “resolver dois problemas: a falta de competências e o conjunto de pessoas que não têm saídas profissionais”. “Gente brilhante, competente e que simplesmente tirou o curso errado”, comenta.

Apesar de um contexto aparentemente favorável, as oportunidades de trabalho na área das TIC não inviabilizam a emigração de pessoas qualificas. João Campos terminou a licenciatura em Engenharia Informática na UC há quase dois anos e desenvolve aplicações numa empresa em Londres.

Admitindo que procurar trabalho em Portugal não foi uma opção, explica ao PÚBLICO por email que a decisão de sair do país se baseou em amigos que trabalham nessa área e que “não estavam contentes com as condições a que eram submetidos em Portugal”, tais como salário e horários. No Reino Unido, João Campos conta que encontrou “boas condições de trabalho”, assim como uma boa “relação salário-custo de vida” não estando “de momento” a equacionar um regresso ao país.

Com percurso semelhante, José Carlos Neves refere a “conjuntura” como um dos motivos que o levaram a emigrar para Londres. Actualmente a trabalhar no desenvolvimento de aplicações móveis, também não coloca o regresso a Portugal num horizonte próximo. “A realidade do país poderá melhorar, mas não será algo rápido, e quando isso acontecer eu espero já estar bem estabelecido na minha carreira no Reino Unido.”

 

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