“Continuarei a erguer a minha voz, não vou parar nunca na vida”

As autoridades indianas procuravam Paramjeet Singh por alegados assassinato e atentados à bomba. Foi detido em Portugal, mas já está de regresso a Birmingham onde vive com a família. Activista, continuará a defender a independência do Punjab, mas recusa a violência. “Nunca matei ninguém.”

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Manifestação de apoio a Paramjeet Singh em frente à Assembleia da República, em Lisboa DR

Na tarde de 18 de Dezembro, Paramjeet Singh estava com a família num hotel no Algarve quando foi detido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Estava na zona da piscina com os miúdos. A mulher ficou assustada. Olhou para os quatro filhos, sem saber como explicar o que estava a acontecer. Disse-lhes que o pai ia trabalhar e voltava logo. Não foi logo, logo. A história teve alguns percalços, mas a 12 de Fevereiro a ministra da Justiça recusou o pedido de extradição do cidadão indiano para a Índia e o Tribunal de Évora deu ordem para libertar o activista sikh que defende a independência do Punjab, na Índia.

Paramjeet era procurado pelas autoridades indianas por alegadamente ser o responsável pelo assassinato em 2009 de um líder do movimento nacionalista hindu e por atentados à bomba na Índia em 2010. Diz ser contra a violência, que nunca matou ninguém na vida, nunca “conspirou”, nunca deu ou recebeu financiamento de grupos terroristas.

Depois de a justiça portuguesa decidir não extraditá-lo, Paramjeet, com o apoio dos advogados que o acompanharam, regressou a Inglaterra, onde tem o estatuto de refugiado. Nos dias em esteve detido, chegou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias uma petição em sua defesa, que os deputados enviaram para a ministra, por ser um caso judicial, fora das competências da Assembleia da República. O PÚBLICO contactou a embaixada da Índia para obter uma reacção ao facto de Paramjeet não ter sido extraditado, mas não obteve resposta.

Quando foi detido, Paramjeet, também conhecido por Pamma, tinha 42 anos. Fez 43 a 31 de Dezembro de 2015. Nesse dia, na prisão de Beja conseguiu falar com os filhos, por Facetime (uma ligação à Internet por telemóvel). São duas meninas e dois rapazes, entre os sete e os 12 anos, têm nacionalidade britânica. Desde que o pai foi detido que o mais novo, Sahib, continua a dizer, agora já a brincar, que o que quer é justiça. Pode ser num restaurante, podem estar a perguntar-lhe o que quer jantar, ele responde: “Quero justiça!”. Agora, que o susto passou, todos se riem.

Em Portugal, Pamma conta que fez amigos na prisão. Nunca sentiu que olhassem para ele como terrorista: “Nunca acreditaram nisso.” Sentiu-se apoiado: “Tenho de agradecer a tantas pessoas em Portugal.”

Na altura da decisão da ministra, também o advogado Manuel Luís Ferreira se congratulou: “Teve a coragem política de enfrentar tudo e todos em prol dos princípios, direitos, liberdades e garantias plasmados na ordem jurídica interna portuguesa”, disse à Lusa no dia da libertação.

"Não temos país”
À noite, num hotel em Birmingham, com uma longa barba e um turbante a cobrir o cabelo que não corta – apenas alguns dos sinais de que é sikh –, Paramjeet vai contando em 1999 decidiu deixar o Punjab para fugir da perseguição que diz ter sido alvo, juntamente com a família, por parte das autoridades indianas. Diz que foi torturado aos 16 anos, que esteve preso, que o irmão foi morto, que estavam “inocentes”. Foi por isso que partiu para Inglaterra. E é também por isso que não desiste da causa.

Em 2000, as autoridades britânicas dão-lhe o estatuto de refugiado e um documento que lhe permite viajar. Já não era a primeira vez que visitava Portugal. E já tinha ido a Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Paquistão…

Em 1999, quando chegou a Inglaterra sozinho, admite que não foi fácil começar a nova vida. Depois casou-se, vieram os filhos, o trabalho. Camionista, conta que se levanta todos os dias de madrugada, entre as duas e as quatro da manhã. Regressa à tarde, entre as 16h e as 17h.

Embora fale muito da família, a vida de Pamma tem uma causa óbvia: a independência do Punjab. Assegura que o seu activismo passa por fazer ouvir a sua voz – em manifestações, distribuindo panfletos, chamando a atenção para a causa.

“Não vou ficar calado, nunca na minha vida.” Fala de forma convicta: “Não sou estúpido, sei o que está acontecer à minha nação. E vou continuar a erguer a minha voz, não vou parar, nunca, nunca, nunca, na minha vida.” Pergunta-se: “Por que não podemos levantar a nossa voz?”. O que o move, de forma acesa mas “pacífica”, é a autodeterminação do Punjab - o conflito dura há décadas, pelo menos desde 1947, quando o Punjab foi dividido entre o Paquistão e a Índia, ficando neste território a maioria dos sikhs. O que a Índia quer é que os nacionalistas sikhs – que praticam uma religião diferente da maioria hindu e consideram ter direito ao reconhecimento como povo com nacionalidade distinta - desistam, alega Paramjeet.

“O nosso medo é só um: não temos país”, diz. “Sou indiano, mas se tiver problemas vou onde? À embaixada da Índia?” Ao dizer, porém, que o seu medo é só um, está a incluir vários outros medos dentro desse maior. Em Portugal, chegou a senti-lo nos primeiros dias. Medo de ser extraditado para a Índia. A mulher também teve medo, de nunca mais o ver.

No futuro, vai continuar viajar? “É uma resposta difícil para mim, os meus advogados é que sabem, tenho de lhes perguntar. Por mim, posso.” E o Punjab vai ser independente? “Sim, definitivamente. Vamos ter a justiça de deus, um dia. Há um dia de julgamento para toda a gente. Vamos ter a nossa autodeterminação”, acredita Singh, que quer dizer leão.

O PÚBLICO viajou a convite da Sikhs For Justice, dos advogados e da comunidade sikh do Reino Unido 

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