Estrangeiros nas selecções nacionais?

1. Sejamos claros nas questões prévias, porque o universo está cheio de segundas intenções, leituras perversas e sob céu nublado. Compreende-se, contudo não sem alguma dificuldade, que o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), como qualquer outra nova instância ou organização, independentemente da natureza das mesmas, busque o seu espaço de afirmação. E afirmar-se, num primeiro momento, passa pelo TAD reconhecer-se competente para decidir sobre os litígios desportivos.

Compreende-se, de igual modo, que o TAD, deparando-se com um acordo entre as partes, sobre determinada questão, se baste por esse acordo e, desse modo, obtenha a eficácia das suas decisões e, num segundo momento, o reconhecimento, pelos operadores desportivos, dessa eficácia (e celeridade), desse modo auto-justificando-se como meio alternativo aos “velhos tribunais estatais”.

Compreende-se até, por último, as boas intenções do TAD.

O que de todo não se pode compreender é que o TAD, um seu colégio arbitral composto por três árbitros, decida – ou despache – contra lei expressa – atrever-nos-íamos a qualificá-la de clara, não conhecêssemos, por experiência, os riscos dessa qualificação.

2. Encontra-se disponível na página do TAD, uma decisão (despacho), respeitante ao Processo nº 5/2016 que, em sede de arbitragem necessária – assim parece – se pronuncia sobre um conflito que ocorreu na Federação Portuguesa de Dança Desportiva.

Recomenda-se a leitura dessa decisão e sob diversos ângulos de análise. Aqui, por razões de espaço, veremos apenas por um prisma.

3. Uma das questões de fundo, e que foi decidida pelo TAD, prende-se com a participação de estrangeiros nas selecções nacionais. Em causa está a formulação de um par representativo da FPDD em competições internacionais, enquanto selecção nacional.

O TAD, começando por afirmar que “it’s takes two to tango”, centra-se na interpretação do disposto no artigo 63.º, nº 1, do vigente regime jurídico das federações desportivas, norma que, aliás, existe no nosso Direito, desde 1993, sem qualquer contestação. Eis o seu conteúdo: “A participação em selecção nacional organizada por federação desportiva é reservada a cidadãos nacionais”.

Afirma o TAD que o legislador disse, neste caso, mais do que queria dizer, “na medida em que se torna manifesto que não curou de salvaguardar as situações em que o colectivo é indissociável, sendo, do ponto de vista da competição desportiva, por isso, considerado como um só”. Adianta, então, que neste caso não atendeu o legislador à especificidade de determinadas modalidades desportivas, como é, o caso da dança desportiva.

Decide o TAD, integrando (no seu entender) uma lacuna legal, criar uma norma, recuperando a da federação internacional: para que um par se tenha como representativo de um país, é suficiente que um dos atletas apresente passaporte válido desse país.

4. O TAD, a nosso ver, decidiu mal, pois não ocorre nenhuma lacuna legal mas, bem pelo contrário, a afirmação de uma regra imperativa, independentemente da modalidade ser individual, colectiva ou “colectiva especial”. A norma em causa estabelece, há muito, um princípio que se tem por fundamental do ordenamento jurídico-desportivo português e com o qual, até agora, o Direito Europeu vive bem. Tal princípio só pode ser afastado pelo legislador se e quando o julgar oportuno em termos de política desportiva.

5. O universo do desporto nacional, lido juridicamente, tem necessariamente que acompanhar a jurisprudência do TAD, estudá-la e criticá-la, como antes fazia perante as decisões dos tribunais estatais. No caso concreto, veremos qual a postura do Governo – e do IPDJ – quando a FPDD incorporar norma que viola (frontalmente) a lei. josemeirim@gmail.com

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