O Parlamento é uma geringonça: dois artigos do OE podem detonar uma crise

Os compromissos internacionais com a ajuda à Grécia e à Turquia, inscritos no Orçamento, estão a deixar o Governo em suspenso. O PSD vota contra. E os parceiros de esquerda do PS não parecem aprovar. Venha a máquina de calcular maiorias...

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A geometria variável do actual Parlamento obriga a uma constante contabilização de maiorias Nuno Ferreira Santos

Os artigos são seguidos, 80º e 81º. O primeiro autoriza o Governo a financiar o Programa europeu de assistência financeira à Grécia, no valor de 106,9 milhões de euros. O segundo artigo aprova 24,3 milhões - o valor da contribuição portuguesa para o "mecanismo de apoio à Turquia em favor dos refugiados". Dois compromissos internacionais do Estado português, assumidos pelos dois últimos Governos (o actual e o anterior), que estão agora em risco de chumbar no Parlamento.

O Governo adiantou ao PÚBLICO que ainda decorrem negociações com os grupos parlamentares, mas os dois artigos, que já deviam ter sido votados, foram adiados para terça-feira, o último dia da votação na especialidade das normas do Orçamento do Estado. 

O PS, naturalmente, garante o seu voto favorável. O problema é que esta é uma matéria sobre a qual não existe acordo com os restantes partidos de esquerda. O PCP adianta que "não há problema nenhum" com o seu "sentido de voto". Mas não diz se vota a favor. O vice-presidente da bancada do Bloco de esquerda, Jorge Costa, explica quais são os problemas do seu partido com os dois artigos: "Estes artigos concretizam processos conduzidos pelo anterior Governo. Na Grécia não recusamos um plano de assistência, mas quando vem com imposições de austeridade, não aprovamos para os gregos o que recusamos para nós. Quanto à Turquia, o plano já foi recusado pelas Nações Unidas."

Ou seja, o BE parece ter decidido abster-se no artigo sobre a Grécia, mas opõem-se claramente ao da Turquia. Posição inversa à do CDS que, ao que o PÚBLICO apurou, pode viabilizar a ajuda à Turquia na questão dos refugiados, mas não no caso da Grécia. A posição oficial do partido estará tomada, mas a deputada Cecília Meireles explicou ao PÚBLICO que, por estar a decorrer o congresso do partido e uma transição de liderança, não é a altura para fazer esse debate. O partido revelará o seu sentido de voto no dia da votação.

Já o PSD é taxativo: "Votamos contra", explica o deputado Duarte Pacheco. "É a nossa posição de princípio: quem tem de assegurar a viabilidade é a maioria que suporta o governo e não a oposição. Nós agora somos oposição."

E é aqui que entra a máquina de calcular. O PSD é o maior partido no Parlamento, com 89 deputados. O PS tem menos três, 86. Para conseguir que a norma passe, o PS precisa de garantir que, pelo menos, um grupo parlamentar de três (PCP, BE ou CDS) vota ao seu lado. E isso não está garantido. E pode não chegar. Porque, aparentemente, conta com dois votos contra, um para cada um dos artigos.

No caso da Grécia, se PSD e CDS, como tudo indicam, votam contra, o PS precisa de garantir que 108 deputados votam a favor. E isso parece ser possível, se o BE se abstiver. Sobram os 104 deputados do PS, PCP, PEV e PAN. Não chega.

O caso da Turquia é diferente. O PSD e o BE votam contra: são 108 deputados. Se PS, CDS e PCP votarem a favor são 109. 

Em todo o caso, há um problema político que ameaça todo o espectro político. Este é um compromisso europeu. E Bruxelas vai receber a notícia do chumbo com alguma incredulidade. Desde logo porque António Costa garantiu ter reunidas as condições para aprovar o Orçamento, e também para cumprir esses compromissos. Se a esquerda contribuir para o chumbo destas duas medidas, mostra que a estabilidade anunciada não é garantia para tudo.

Mas também o PSD pode pagar um preço por este chumbo anunciado. É que ambos os compromissos foram negociados pelo executivo de Pedro Passos Coelho e não deixa de parecer uma jogada de política interna a recusa em aprovar as verbas com que Portugal se comprometeu no programa grego, ou na estratégia para os refugiados na fronteira turca. 

João Galamba, do PS, lembra que foi o PSD quem, em Novembro, apresentou uma resolução (a 138/2015, de 20 de Novembro) no Parlamento onde pretendia reafirmar a validade desses compromissos. O terceiro ponto era dedicado a estes pontos. "Não deixa de ser irónico que o primeiro partido a violar esses compromissos seja o PSD", acusa João Galamba.

Até terça-feira, alguma destas posições pode mudar. Mas o tom da legislatura parece ser este. Uma geometria tão variável que até torna emocionante a tradicionalmente hermética discussão na especialidade do Orçamento...

 

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