Respostas de Salgado aos deputados municipais contrariam respostas dadas ao PÚBLICO

A viabilização pela Câmara de Lisboa de uma torre de 17 andares em Picoas está cada vez mais envolta em decisões mal explicadas.

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Manuel Salgado, vereador da Câmara de Lisboa Daniel Rocha

As declarações proferidas a 1 de Março pelo vereador Manuel Salgado na Assembleia Municipal sobre a execução de trabalhos fora do lote particular da Torre de Picoas contrariam aquilo que o seu gabinete disse ao PÚBLICO no dia 26 de Novembro. Mas contrariam também o teor de um despacho do director municpal de Urbanismo.

Em resposta ao deputado municipal Ricardo Robles (BE), o vereador do Urbanismo garantiu então que os seus serviços deram indicação ao dono da obra, a empresa Edifício 41, para parar os trabalhos ao longo da Av. Fontes Pereira de Melo depois de terem detectado, a 2 de Dezembro, que aí estavam a ser feitas obras em terreno municipal. Manuel Salgado adiantou que nas várias acções de fiscalização feitas no local antes daquela data “não foi possível” aos fiscais camarários detectar e confirmar a infracção.

A infracção em causa, explicou Salgado, consistiu na realização de obras não autorizadas em terreno municipal, incluindo a cravação de estacas numa faixa de 40 centímetros situada por baixo do passeio da Fontes Pereira de Melo. Por isso mesmo, afirmou, foi instaurado um processo de contra-ordenação contra o dono da obra, apesar de este ter suspendido de imediato os trabalhos nessa zona. E apesar destes serem susceptíveis de ser legalizados logo que a assembleia municipal aprove as permutas através das quais aquela faixa de terreno será incluída no lote particular.

Manuel Salgado considerou que o dono da obra “andou mal, muito mal” ao sair dos limites do seu lote. “Esta situação importa a legalização [da obra já feita] e a penalização do dono da obra (...) não podemos admitir que situações destas se repitam”, enfatizou. Contrariamente às críticas à Edifício 41 (do grupo ECS), o autarca elogiou o comportamento dos seus serviços. “Andaram bem os serviços e o director municipal [de Urbanismo] quando no seu despacho de 17 de Agosto de 2015 autorizou os trabalhos de escavação limitados ao lote particular e que os trabalhos [fora] do lote só poderiam ocorrer quando devidamente autorizados, o que não aconteceu”, assegurou, conforme se ouve na gravação disponível no site da assembleia.

Sucede que em reposta a uma pergunta do PÚBLICO sobre se tinham sido autorizadas obras no subsolo de espaços municipais, o gabinete de Salgado respondeu a 26 de Novembro, seis dias antes de os fiscais detectarem as obras ilegais: “(...) foi autorizada a ocupação do espaço público necessário para parte das escavações.” E logo a seguir acrescentou que “não irá haver quaisquer fundações ou paredes de contenção em áreas que permanecerão no domínio publico”.

Desta resposta depreende-se que, afinal, as obras que o vereador disse na assembleia estarem a ser feitas sem autorização tinham sido autorizadas, no pressuposto, ainda não aprovado pela assembleia municipal, de que elas se tornariam, futuramente, propriedade do particular, deixando de pertencer ao domínio público.

À contradição entre a declaração do vereador e a resposta dada ao PÚBLICO em Novembro parece acrescer uma outra entre o que Salgado afirmou sobre o despacho de Jorge Catarino de 17 de Agosto e aquilo que o director municipal então escreveu. Ao contrário do que o autarca afirmou, o director não autorizou os trabalhos fora do lote particular apenas “quando devidamente autorizados”.

O que o director municipal escreveu foi isto: “Defiro com a seguinte condição: o início dos trabalhos fora da área do terreno particular só poderá ocorrer com a aprovação do processo de ocupação da via pública, actualmente em apreciação, e plano de desvio de tráfego.”

Condição imposta não é a que lei exige

O importante aqui é que a condição imposta não é a da prévia transmissão da parcela municipal ao promotor depois da sua aprovação pela assembleia municipal, como a lei manda e sem a qual os trabalhos não podiam ser “devidamente autorizados”, mas é a da aprovação do processo de ocupação da via pública.

Ora a câmara aprovou para aquele local uma licença de ocupação da via pública para colocação de tapumes e ocupação de passeios cinco meses antes, em Maio de 2015, por forma a viabilizar a demolição dos edifícios que ali existiam. Essa licença, apesar da demolição ter sido concluída durante o Verão, tem sido objecto de prorrogações sucessivas, uma das quais deferida a 1 de Outubro, muito antes da suposta infracção, com o objectivo de manter a segurança “em todo  o perímetro do lote em  questão aquando dos trabalhos de escavação a decorrer”. 

Sendo certo que o despacho de 17 de Agosto condicionava as escavações fora do terreno particular à aprovação da ocupação da via pública, parece legítimo concluir que, pelo menos a partir de 1 de Outubro, esses trabalhos estavam autorizados.

Não é esse o entendimento expresso pelo gabinete de Manuel Salgado depois de confrontado com as contradições existentes entre as afirmações do vereador, as respostas dadas ao PÚBLICO em Novembro e o teor do despacho de Jorge Catarino. 

“A possibilidade de intervenção fora dos limites do lote tem de ser objecto de uma autorização específica que ocorrerá quando estiverem reunidas as condições para tal, isto é, após a transmissão dos terrenos para o promotor”, respondeu a câmara na semana passada. O despacho do director, todavia, não faz qualquer refrência a esta condição.

Quanto ao facto de a câmara ter dito em Novembro que “foi aprovada a  ocupação do espaço público necessário para parte das escavações”, a explicação agora dada ainda é menos esclarecedora. “Na maioria das obras a câmara autoriza a ocupação do espaço público para estaleiro. Contudo, quando as caves do futuro edifício alinham com o plano marginal acontece ser necessário escavar fora do limite do lote. Com a conclusão da obra é reposto e refeito o passeio afectado”, responde o gabinete do vereador, através do Departamento de Comunicação.

De acordo com técnicos conhecedores do processo, no entanto, a autorização dada pela câmara para a realização de escavações antes de a construção do novo edifício ser licenciada nem sequer respeita várias normas regulamentares. Isto porque essa autorização só deveria ser dada depois de o dono da obra ser proprietário de toda a área em que ela vai ser erguida, adquirindo assim a legitimidade para iniciar os trabalhos.

Outros entendem mesmo que a proposta de licenciamento da obra não tem em conta as exigências do Plano Director Municipal, uma vez que tem origem num pedido de informação prévia que, tal como as análises técnicas posteriores, foi aprovado sem ter em consideração a articulação do futuro edifício com a sua envolvente.                                                                                                                                                               

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