Recriar o estúdio de Pina Bausch num museu de Bona

Exposição analisa a obra da coreógrafa alemã que morreu em 2009 tendo por ponto de partida o seu espaço de ensaio.

Foto
Pina Bausch em Café Müller Paulo Pimenta

Guardam-se imagens dos seus espectáculos como se fossem fotografias num álbum. De tão presentes que são, estas memórias visuais passam a ter uma existência física, de papel. Os bailarinos afundados em cravos de que só vemos as pernas de Nelken (Cravos), a bailarina (ela, como só ela sabia fazer) que se lança contra a parede depois de dançar de olhos fechados entre cadeiras de Café Müller, a parede de tijolos de Palermo, Palermo que há-de ser destruída para que entre eles haja corpos em movimento, a mulher vestida de balões vermelhos de Masurca Fogo, a peça que fazia a festa numa casa de madeira construída em palco a lembrar que Lisboa também tem África lá dentro. Tudo isto é Pina Bausch. Tudo isto e muito, muito mais.

Uma exposição no Bundeskunsthalle de Bona, na Alemanha, evoca até 24 de Julho o universo criativo desta bailarina e coreógrafa que morreu aos 68 anos, em 2009, deixando o mundo da dança estarrecido. Perder Pina Bausch, uma das mais fundamentais criadoras do século XX, sem aviso e quando se esperava ainda tanto dela, apesar do muito que dera já desde o início da sua carreira como criadora, em 1968, não estava nos planos de ninguém.

A sua linguagem fundadora, a de uma dança despojada de virtuosismo e próxima da pele, é absolutamente reconhecível. E irrepetível. O museu de Bona analisa-a em Pina Bausch and the Tanztheater através de obras-paradigma como A Sagração da Primavera, tendo por ponto de partida a recriação do espaço de ensaio da companhia que dirigiu até 2009, a Tanztheater Wuppertal, conhecido como o Lichtburg e instalado numa sala de cinema dos anos 1950 daquela cidade industrial que se tornou a sua casa. Era neste laboratório, com uma enorme mesa coberta de papéis e computadores e cartazes por todo o lado, que Pina trabalhava na sua dança total, aquela que punha em palco não apenas o intérprete, mas a pessoa. “É importante para mim apresentar a essência dos meus bailarinos em palco para que as pessoas possam conhecê-los”, dizia. “Nestas coreografias não peço a ninguém que represente.”

A exposição, comissariada pelo seu filho, Salomon Bausch, e pela especialista em teatro Miriam Leysner, assume à partida que para experimentar verdadeiramente a obra da coreógrafa alemã a quem durante décadas chamaram a imperatriz da dança teatro não basta percorrer as galarias de um museu, é preciso assistir ao vivo às suas criações. Para levar ao Bundeskunsthalle de Bona a sua linguagem em directo, alguns dos seus bailarinos de sempre conduzem workshops em que o visitante é convidado a experimentar elementos da sua linguagem coreográfica, pequenas frases.

“Não é a maneira como as pessoas se movem que me interessa, mas sim o que as faz mover” é uma das frases mais repetidas desta coreógrafa que começava sempre a trabalhar numa nova peça fazendo perguntas. Muitas perguntas. Na exposição de Bona, que em Setembro viaja para Berlim, para o Martin-Gropius-Bau, museu e centro cultural que homenageia o célebre arquitecto alemão, há dezenas delas espalhadas pelas paredes, em folhas que saíram dos seus arquivos. Nelas há também notas que tirava, depois de um passeio pela rua, observando as pessoas nas paragens do autocarro, a levarem os filhos à escola ou a caminho do trabalho. Era o mundo que lhe interessava e é por estar cheia de mundo que a sua dança parece sempre tão verdadeira.

 

 

 

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