BCE prepara-se para pagar aos bancos para lhes emprestar dinheiro

Assustado com o risco de deflação, Mario Draghi desceu todas as taxas de juro do BCE para valores mínimos e reforçou compras mensais de activos em 20 mil milhões de euros.

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Mario Draghi foi mais longe esta quinta-feira do que previam os mercados REUTERS/Kai Pfaffenbach

O Banco Central Europeu (BCE) confirmou esta quinta-feira que está em estado de alerta total no combate à deflação na zona euro, anunciando seis novas medidas de estímulo monetário que incluem a redução de todas as suas taxas de juro de referência para novos mínimos históricos e o reforço de 60 para 80 mil milhões do montante mensal de compras de activos que realiza nos mercados. E abriu a porta para um cenário inédito: em empréstimos de longo prazo, pode passar a pagar juros aos bancos para lhes emprestar dinheiro, caso eles mostrem que estão a fazer chegar esse dinheiro à economia.

No comunicado publicado a seguir à reunião do conselho de governadores realizada em Frankfurt, o banco central foi mais longe do que aquilo que era antecipado pela maioria dos analistas. Foram seis as medidas anunciadas, algumas recebidas com surpresa.

Uma das que não eram esperadas foi a descida da principal taxa de juro de refinanciamento do BCE de 0,05% para zero. Esta é a taxa a que as instituições financeiras da zona euro recorrem às operações de empréstimo regulares que o banco central vai realizando. A descida é de reduzida dimensão, mas o BCE dá com esta medida o sinal claro de que está disposto a ir o mais longe que puder no objectivo de fornecer “dinheiro barato” aos bancos da zona euro. Assim, nas suas operações regulares, um banco passa a poder, desde que apresente garantias adequadas, pedir ao BCE dinheiro emprestado sem ter de pagar juros.

Mas o BCE não se fica por aqui e prepara-se mesmo para pisar terrenos nunca antes explorados, pagando juros aos bancos para lhes emprestar dinheiro. Isso pode acontecer nos quatro empréstimos de longo prazo que o banco central irá realizar a partir de Junho às instituições financeiras da zona euro. A taxa de juro aplicada nesses créditos será à partida idêntica à taxa de juro de refinanciamento, que é agora de zero; porém, caso os bancos cumpram um determinado nível de concessão de crédito às empresas e famílias, as taxas de juro podem ir a um mínimo equivalente à taxa de juro de depósito, que está em terreno negativo – isto é, um banco recebe dinheiro emprestado do BCE e ainda recebe juros por isso.

A vontade do BCE de ver o dinheiro que cria a correr para a economia é também evidente na descida de 0,05 pontos percentuais da facilidade marginal de empréstimo que passa de 0,3% para 0,25% e na medida mais esperada, e que se confirmou, de voltar a descer a taxa de juro de depósitos, aquela que é aplicada às reservas colocadas pelos bancos comerciais junto do BCE. Esta taxa, que já estava em terreno negativo, passa de -0,3% para -0,4%.

O objectivo desta nova redução das taxas de juro de depósitos é o de incentivar os bancos a reduzirem as reservas acumuladas no banco central e colocarem mais dinheiro a circular pela economia real, pelas empresas e famílias. Dessa forma, a actividade económica poderá acelerar-se, contribuindo para retirar a inflação dos níveis demasiado baixos em que se encontra actualmente (em Fevereiro, a inflação na zona euro foi de -0,2%). No entanto, vários economistas têm alertado que as taxas de juro negativas nos depósitos podem ter também efeitos contraproducentes, nomeadamente impondo uma redução da rentabilidade dos bancos que os leve a adoptar medidas ainda mais restritivas na concessão de crédito.

O BCE, contudo, não se ficou pela redução das taxas de juro. A entidade liderada por Mario Draghi anunciou que a partir de Abril irá passar a realizar aquisições de activos nos mercados de 80 mil milhões de euros por mês, o que significa um reforço de 20 mil milhões de euros por mês em relação ao que vinha sendo feito desde Março do ano passado.

Na prática, o BCE reforça aqui a sua derradeira arma de combate à deflação, que consiste na prática na criação de dinheiro que é lançado à economia através da compra de dívida privada e, principalmente, dívida pública dos países da zona euro.

Uma vez que existem dúvidas sobre a capacidade de o BCE encontrar no mercado títulos suficientes para comprar, a quinta medida anunciada foi o alargamento dos activos elegíveis para este programa de aquisição às obrigações de empresas não financeiras.

Uma das razões para esta entrada do BCE num ainda mais evidente estado de emergência em relação ao perigo de deflação está relacionado com a deterioração das previsões do técnicos do banco central para a evolução da economia e dos preços. As expectativas para a variação do PIB foram revistas ligeiramente em baixa, antecipando-se um crescimento de 1,4% em 2016, 1,7% em 2017 e 1,8% em 2018.

Mas o pior aconteceu mesmo com a inflação, que em Fevereiro voltou a cair para valores negativos. Para o total do ano de 2016, o BCE espera agora que a inflação fique em 0,1%, permanecendo por diversos meses em terrenos negativo e começando outra vez a subir no final do ano. Para 2017 e 2018, as taxas de inflação previstas são de 1,3% e 1,6% respectivamente. O objectivo do BCE é de uma inflação que fique "abaixo, mas próximo de 2%" no médio prazo.

A reacção dos mercados aos anúncios de medidas feitos pelo BCE foi inicialmente de uma descida abrupta do valor do euro face ao dólar, o que mostra a surpresa ante a dimensão das medidas apresentadas. Todavia, depois de Mario Draghi dar a entender, na conferência de imprensa, que não planeia fazer novas descidas de taxas de juro, o euro voltou a subir, em mais um sinal de desconfiança dos mercados na capacidade do banco central para ser eficaz na luta contra a deflação.

 

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