Depois do Zaman, Governo turco assume gestão de agência de notícias

Decisão concretizada na mesma altura em que Davotuglu negociava com parceiros europeus contrapartidas para travar vaga de refugiados.

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Desde que passou para controlo estatal, o Zaman mudou já a linha editorial, passando a dar destaque a notícias favoráveis ao Governo Adem Altan/AFP

Indiferentes às condenações internacionais, as autoridades turcas prosseguem o silenciamento da imprensa mais crítica. Três dias depois de o jornal de maior circulação do país ter sido posto sob a alçada do Governo, o mesmo aconteceu agora à agência de notícias do grupo, ligado ao movimento do imã Fethullah Gülen, ex-aliado do Presidente Recep Tayyip Erdogan transformado em seu principal inimigo.

Os resultados da cimeira entre a União Europeia e a Turquia ainda estavam a ser digeridos quando a notícia chegou. Em resposta a um pedido da procuradoria-geral, um tribunal de Istambul decretou na segunda-feira à noite que os três administradores judiciais nomeados na sexta-feira para o jornal Zaman e para o seu congénere em língua inglesa, Today’s Zaman, devem assumir igualmente a gestão da Cihan, noticiou a própria agência no seu site. Desde o fim-de-semana, o Zaman mudou já a linha editorial, passando a dar destaque a notícias favoráveis ao Governo.

O facto de a decisão judicial ser anunciada na mesma altura em que o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, negociava em Bruxelas novas contrapartidas para travar o fluxo refugiados, reforça a ideia de que Ancara se sente suficientemente confiante de que a União Europeia – desesperada por encontrar saída para a crise – se ficará pelas críticas à ofensiva contra a liberdade de imprensa no país.

“Não podemos ficar indiferentes às inquietações que foram levantadas neste contexto”, disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, na conferência de imprensa com Davotuglu. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, insistiu que a polémica não ficasse fora da declaração final da cimeira, mas o texto apenas refere que a “situação dos media” na Turquia foi “discutida”. À saída de Bruxelas, a chanceler alemã, Angela Merkel, assegurou que os Vinte e Oito manifestaram o seu apoio inequívoco à liberdade de imprensa no país e o Presidente francês, François Hollande, avisou que “a cooperação com a Turquia não significa que se aceite tudo” o que está a ser feito por Ancara.

Davotuglu respondeu que “a liberdade de imprensa é um valor base, não apenas para a UE, mas também para a Turquia” e insistiu que o controlo estatal do Zaman resulta de um processo “unicamente judicial”.

Sobre as publicações do grupo de comunicação Feza Gazetecilik, como sobre outros considerados próximos de Gülen, pedem acusações de terrorismo e conspiração – os contornos dos processos são pouco claros, mas Erdogan acusa-os de serem instrumentos de alegadas tentativas do influente imã, residente nos EUA, para patrocinar um golpe de Estado. A aliança estratégica entre os dois ruiu em 2013 com a investigação a esquemas de corrupção que envolviam figuras muito próximas de Erdogan. Seguiu-se uma ofensiva contra a vasta rede de influência do imã que, depois das chefias da polícia e da procuradoria, atinge agora a imprensa.

“A Europa não deveria ceder nos seus valores fundamentais e pactuar com abusos aos direitos humanos por causa da crise dos refugiados”, criticou Can Dundar, director do jornal Chumhuriyet, que foi detido em Novembro por ter publicado um artigo sobre as operações dos serviços secretos turcos para enviar armas a grupos radicais da oposição síria. Libertado no final de Fevereiro por ordem do Tribunal Constitucional, Dundar recordou numa entrevista à Deutsche Welle que há outros 30 jornalistas na prisão. “Erdogan quer controlar toda a comunicação ligada à oposição e está a tirá-los de circulação um a um – é claro que o ataque a um jornal é uma ameaça a todos os outros, uma mensagem de que não devem sair da linha”.

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