A marca de Cavaco

Manuela Ferreira Leite diz que é preciso “dar tempo ao tempo” para avaliar os mandatos de Cavaco Silva como Presidente da República. “É diferente falar ao fim de 15 dias ou ao fim de 15 anos.” É verdade.

A dias de deixar o Palácio de Belém, os juízos sobre os dois mandatos de Cavaco são hoje ou estritamente ideológicos ou estritamente pessoais. A esquerda não gosta de Cavaco e uma parte da direita, mais culta e elitista, nunca olhou com bons olhos o filho de um pequeno comerciante de província.

Ao mesmo tempo, muitos dos portugueses que deram a Cavaco quatro maiorias absolutas olham-no agora com distância, senão mesmo desdém. Uns não lhe perdoaram o facto de ter prescindido do seu salário de Presidente, pelo simbolismo que representou; outros ficaram chocados com a insensibilidade da sua declaração sobre as pensões, quando disse que, com os cortes de Passos Coelho, a sua reforma “quase de certeza que não [ia] chegar para pagar as despesas”. Será preciso tempo para que estes episódios percam o valor que lhe atribuímos agora.

Mas se é verdade que “só a perspectiva histórica autorizará juízos definitivos”, como diz Marcelo Rebelo de Sousa, o novo Presidente, já é possível dizer, sem que tal seja precipitado, que Cavaco é o único político cujo nome está na base da classificação de um modelo para o país — o cavaquismo. Falta no entanto identificar qual é, exactamente, o seu legado.

Há uns dias, António Costa deu a entender que será a importância estratégica que Cavaco atribuiu ao mar e à “economia azul”. Marcelo diz que uma das suas tarefas é “preservar” o legado que recebe,  outra é “actualizá-lo”.

E aqui poderá estar a chave desta equação. A forma como Marcelo vai interpretar as funções da presidência será decisiva para encontrarmos o lugar certo de Cavaco na História.

A História faz-se em contexto. É preciso tempo e distância e, além disso, são precisos antecessores e sucessores para comparar. Não basta olhar para trás. Sendo Marcelo um sucessor que vem do mesmo partido de Cavaco Silva, vai ser ainda mais importante analisar a “actualização” que vai fazer. Será Marcelo o Presidente do compromisso que Cavaco não conseguiu ser? Será próximo das pessoas? Reforçará o papel do Presidente? Reinventará alguma coisa relevante? Tornar-se-á fundamental na vida do país? A marca de Marcelo vai desenhar a pegada de Cavaco.

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