Cem dias de Governo, mil textos nos jornais e Finanças mais mediáticas

Estudo feito por professora da Universidade do Minho conclui que "os governantes comandaram a agenda noticiosa" e que "o primeiro-ministro ainda está em estado de graça".

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As Finanças, cujo ministério é tutelado por Mário Centeno, mereceram o maior número de notícias Miguel Manso

O impacto mediático dos primeiros cem dias do Governo do socialista António Costa foi analisado pela professora de Jornalismo na Universidade do Minho, Felisbela Lopes, que constatou que, em média, saíram 2,5 notícias por dia relativas à actividade governativa e dessas quase metade (43%) ocuparam mais de meia página.

O objectivo deste trabalho era perceber como os jornalistas tratam o campo político “numa área estruturante do jornalismo diário, da política governativa” e também "acompanhar a agenda desenhada pelo Governo e recriada em permanência por outros actores [deputados, sindicatos e associações patronais] que vão reformatando este campo” político.

Para este estudo, a investigadora analisou todos os textos noticiosos, perfis e entrevistas  relativos a situações que tinham os governantes como protagonistas. Foram escolhidos quatro diários: PÚBLICO, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Correio da Manhã (o matutino i ficou de fora porque não sai aos fins-de-semana). De acordo com a investigação, o destaque dado à actividade governativa nestes três meses evidencia que “o primeiro-ministro está ainda em estado de graça”.

O estudo, que o PÚBLICO divulga em primeira mão, revela que 53% dos títulos publicados sobre a acção governativa são positivos; 23,6% são negativos e 23,2% são neutros, uma percentagem que Felisbela Lopes considera boa, uma vez que apenas um em cada quatro títulos são negativos. Estes resultados mostram que “os governantes comandaram a agenda noticiosa” com 41,8% dos textos a corresponderem à mediatização dos eventos (conferências, visitas, reuniões) e 32,4% correspondem a situações em que os governantes sabiam que podiam ser abordados.

A investigadora evidencia que um pouco mais de metade das notícias publicadas (53,3%) não têm um lugar específico, mas Lisboa concentrou o maior número de eventos: 33,8%. Bem longe ficou o Norte (com 4,1%), Centro, (1,8%), Alentejo e Algarve com (0,5%). Um total de 5,1% dos textos publicados dá conta de eventos que aconteceram na Europa (4,4%), África (0,6%) e América do Norte (0,1%).

Já em relação aos temas, o mais preponderante é, sem dúvida, o das finanças, que deu origem a 31,3% de textos informativos. Menos expressiva, mas em segundo lugar, aparece a acção política do primeiro-ministro, com 24,2% das notícias. Saúde, trabalho e educação são os temas que se seguem, recolhendo 9,1%, 8,8% e 8,7%, respectivamente, dos títulos publicados nos quatro matutinos escolhidos para este trabalho. Temas como ambiente, justiça e economia são os menos mediáticos, embora o primeiro seja aquele que tem direito a mais espaço nos jornais (3,1%). A justiça fica-se pelos 2,7% e a economia tem uma visibilidade diminuta: 1,1%.

Em matéria de fontes, o trabalho mostra que os ministros falaram na primeira pessoa em 16,3% dos textos. O primeiro-ministro surge como fonte em 6,4% e os secretários de Estado surgem ligeiramente abaixo com 5,9%. A par do Governo, há, curiosamente, dois grupos que têm uma visibilidade significativa: os deputados (15,2%) e os sindicatos/associações patronais (12,2%).

O estudo surpreende pelo número muito reduzido de textos noticiosos relativos à relação Governo/ Presidente da República: 0,2%.

No total dos textos publicados nestes cem dias de governação, 96,8% são notícias, 2,5% são entrevistas e 0,7% têm a ver com perfis de membros do Governo. No total, são quase mil textos publicados e, segundo Felisbela Lopes, “foi grande a atenção” que as redacções dedicaram ao Governo neste tempo.

Para a professora de Jornalismo e antiga pró-reitora da Universidade do Minho, “os governantes não podem, pois, acusar os jornalistas de verem sempre o copo meio vazio…”

A ex-jornalista considera que “o primeiro-ministro não tem razões para se queixar da imprensa": "Nos primeiros cem dias, o Governo viveu o habitual estado de graça, encontrando uma abordagem positiva em mais de metade dos artigos noticiosos que reflectiram a actividade governativa”. No entanto, a investigadora entende que “o primeiro-ministro tem um problema; a actualidade esteve sempre muito presa às finanças e os jornalistas evidenciam uma clara preferência por essa tematização”. Desta forma, sustenta, “será difícil retirar espaço público mediático a um tópico que se enraizou de forma profunda ao longo dos últimos anos”.

A ideia de fazer um estudo aos primeiros cem dias de governação surgiu nas aulas de Jornalismo Especializado do segundo ciclo em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Como responsável por esta Unidade Curricular neste semestre, Felisbela Lopes lançou um desafio aos estudantes a olharem os textos noticiosos que os jornais diários publicaram neste período.

A investigadora, que é casada com o secretário de Estado Adjunto do Ambiente, José Mendes, partiu de uma metodologia de análise estritamente quantitativa feita através do Statiscal Package for the Social Sciences, a partir de uma tipologia que a própria criou em 2008 para estudar os artigos jornalísticos de saúde, uma grelha que foi alvo de algumas adaptações.

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