Perdemos o Diogo

É coisa rara na actual cultura arquitectónica depararmo-nos com alguém capaz de constituir a sua identidade a partir dos verdadeiros valores universais

Sim, perdemos o Diogo. A última imagem que guardo dele, é de um Diogo aconchegado entre a sua mãe, Maria João Seixas, e a sua mulher e parceira, Patrícia Barbas, na conclusão do Júri na ETH, em Zurique, onde acabara de defender a sua tese sobre Aldo Rossi e Melancolia. O ambiente era alienante, os suíços indiferentes e o evento monótono e oficial. Porém, a sua nuvem era irradiante. Seria o espírito de Lisboa, esse espírito que levavam com eles, para onde quer que fossem?

É coisa rara na actual cultura arquitectónica depararmo-nos com alguém capaz de constituir a sua identidade a partir dos verdadeiros valores universais. E no entanto, a nossa própria condição humana baseia-se nessa rara capacidade. Claro que teve a sorte de tanto o pai, como a mãe, fazerem já parte desse espírito. Mas o Diogo fez-se a si próprio; o campo da arquitectura e tudo aquilo que nele alcançou, foi uma escolha inteiramente sua.

Quase vinte anos passaram desde o nosso primeiro encontro num bar no West Village onde reunimos para discutir a minha contribuição para a sua revista Prototypo; uma publicação verdadeiramente única no contexto da cultura arquitectónica; o único lugar onde dei por mim a escrever sobre o Pedro Cabrita Reis, como se ele, com suas esculturas e instalações, fosse parceiro da nossa própria cultura disciplinar. Esta capacidade de conectar o passado e o presente, o aqui e agora, com momentos distantes no tempo e lugar, inspirou sem dúvida muito daquilo que era tão vital na vida e obra do Diogo.

Em todo o caso, esta demarcação não existe na trajectória do Diogo. Ao recriar o Teatro Thalia, em Lisboa, este tipo de integridade, de visão e de agir, encontrou a sua apoteose. Novamente, é tão raro encontrar alguém capaz de resgatar do esquecimento essa instituição que é um teatro em ruínas, e dar-lhe um novo sopro de vida, sem no entanto negligenciar o seu fundamento arqueológico. Por outras palavras, transformar algo, que não era mais do que arqueologia, conferindo-lhe uma sensibilidade contemporânea capaz de recomeçar a sua própria história.

E sim, no final existe a melancolia. Aqueles que nascem “sob o signo de Saturno” conhecem as imensas distâncias que ofuscam todo o esforço humano. Estamos condenados a viver sem-abrigo, mesmo quando as nossas casas estão cheias de tudo que se poderia desejar. O nosso destino é o exílio. Não só num futuro distante, mas também in medias res. Os ideais humanos, mesmo quando nascem no aqui-e-agora, são apenas um horizonte distante que vai constantemente recuando. O Acto Final de desaparecer completa esta trajectória. Ao escrever a sua tese, Diogo mapeou a sua própria navegação nesse oceano em que todos vagueamos. Ao fazê-lo, seguiu o conselho de Montaigne; o de resistir à melancolia com a própria melancolia. E agora deixa-nos com esse imenso tronco de vida cortado a meio.

Não há conforto nas nossas memórias, apenas uma dor ainda maior. Fica a esperança de que o Diogo tenha uma viagem segura para o além. Pela nossa parte, não poderíamos ter melhor companheiro nesse vale de lágrimas.

Professor de Arquitectura na Universidade de Columbia. Nova Iorque, 20 de Fevereiro de 2016

(Tradução de Paulo Martins Barata)

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