A electrónica intimista de Isaura e Francis Dale

Dois dos nomes mais valiosos da mais recente música feita em Portugal apresentam as suas canções electrónicas intimistas, lado a lado, no Lisbon Dance Festival. Esta sexta e sábado em Lisboa.

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Isaura e Diogo são um caso de culto, mas são ainda desconhecidos do grande público. Não custa acreditar que as canções de pendor electrónico carregadas de alma irão conquistar mais gente

Na canção Dancefloor, pertencente ao seu disco de estreia, Serendipity (2015), a magnífica voz de Isaura deixa-se ir por entre um manto electrónico que enleva em vez de levar à pista de dança.

Tanto ela como Francis Dale, ou seja Diogo Ribeiro, estão longe de serem exemplos de música física. Pelo contrário, o que lhes interessa são climas, pulsações, tempo e espaço, criação de quadros de grande intimidade, onde a emoção se revela a partir de sonoridades electrónicas guiadas pela ideia de canção clássica.

Não têm muito a ver com os dinamismos house ou tecno que alguns dos nomes mais cotados da primeira edição do Lisbon Dance Festival, como Sven Vath ou Âme, patenteiam. No entanto não custa acreditar que o seu concerto tem condições para ser um dos momentos mais celebrados de um acontecimento que decorre esta sexta e sábado, em quatro salas da Lx Factory em Lisboa, para além de algumas sessões que decorrerão no clube Ministerium. 

Estão os dois num patamar intermédio. São já um caso de culto, mas ainda relativamente desconhecidos do grande público. Não custa acreditar que as canções de pendor electrónico, carregadas de alma, irão conquistar mais gente. Para Isaura e Diogo o concerto deste fim-de-semana será o final de uma digressão de treze datas, iniciada em Outubro no Lux, em Lisboa, e que os levou a Faro, Vila Real ou Funchal. Uma experiência inédita para os dois, para a qual têm contado com a ajuda de Fred Ferreira (Orelha Negra, Banda do Mar) e Ben Monteiro (D’Alva). Em palco, são os quatro, interpretando quer canções dela, quer dele, para além de versões. “Tem sido uma experiência muito benéfica porque temos actuado em salas com uma dimensão maior daquela a que estávamos habituados e temos tido a sorte de as pessoas aderirem”, diz Diogo. “A premissa inicial era apresentar o trabalho de cada um, lado a lado, recriando as músicas com algumas diferenças em relação aos discos”, acrescenta Isaura, “e isso foi conseguindo.”

Ambos lançaram o ano passado dois EPs de seis canções cada um, editados na série NOS Discos, e este ano contam vir a lançar novos discos, assimilando algumas das experiências partilhadas em palco nos últimos meses. “O facto de termos actuado em auditórios com pianos acústicos, por exemplo, foi muito importante, porque entrevi novas possibilidades que nunca tinha pensado em explorar”, revela Diogo. “Aliás acabei de comprar um piano e as novas composições já denotam influência desses novos materiais, juntando o mundo da electrónica com o acústico. O que estou a compor agora já envolve outro tipo de recursos, como um trio de violoncelos. A ideia é misturar o que tenho à disposição.”

Isaura destaca que a presente série de concertos lhe serviu para tomar consciência sobre a dinâmica dos espectáculos, perceber as reacções do publico ou sentir os picos de energia. “E depois tenho pensado também que a minha base musical, a forma como componho, é a guitarra acústica, e quero perceber como é que existe lugar para a guitarra num concerto de música electrónica. Acho que é possível esta fusão e nas canções novas há sensibilidade para isso. Como mostrar esse processo ás pessoas nos concertos tem sido uma das coisas em que tenho pensado.”

Na série de espectáculos agora realizados perceberam que a recepção à sua música não se cinge aos grande centros urbanos – “ficámos satisfeitos por perceber que em Ponte de Lima, Bragança ou Ílhavo há receptividade”, explica Diogo – ao mesmo tempo que sentem que, depois de anos de divórcio, existe hoje uma reconciliação do público com a música feita em Portugal. 

Não há antes nem depois
“Sente-se isso, sim”, diz Isaura, “nem que seja quando as pessoas utilizam aquela expressão – de que não gosto – do 'isto até nem parece feito em Portugal'. De qualquer forma a nacionalidade é secundária. A maior parte das pessoas que nos ouve muitas vezes até só percebe que somos portugueses depois da primeira camada, mas isso deixa-as satisfeitas o que é importante.” As canções são em inglês e as influências que ambos denotam são anglo-saxónicas, num campo alargado que vai da nova soul tecnológica, à pop electrónica minimalista, campo onde se movimentam James Blake, The xx, FKA Twigs ou Chet Faker. O que não significa que a realidade portuguesa lhes passe ao lado. “Há artistas em Portugal de que gosto muito”, confessa Diogo, apontando o caso dos Osso Vaidoso de Alexandre Soares e Ana Deus ou de Sam The Kid. Mas ambos estão de acordo que a realidade lusa está cada vez mais diversificada e estimulante, de tal forma que o horizonte internacional não está entre as prioridades.

Os dois cresceram com o advento da internet já consolidado. Quando despertaram para a música a indústria já estava em profunda mudança. No seu olhar não existe um antes e um depois, mas um processo contínuo. “Por um lado a internet e a tecnologia em geral alargou o campo de possibilidades, mas também estamos imersos em lixo electrónico”, reflecte Isaura. “Temos mais opções, mas perdemo-nos mais facilmente. É necessário um equilíbrio difícil de situar. Não é fácil solicitar cinco minutos de atenção às pessoas para elas ouvirem uma canção.”

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Diogo estudou composição em Londres, Isaura começou por dar nas vistas num programa de talentos da televisão

Ao contrário de outros músicos portugueses da mesma geração, alguns deles presentes no festival, como Violet ou Photonz, sair de Portugal não foi opção, embora Diogo já tenha vivido em Londres, onde estudou composição. “Estudava e trabalhava lá, na Sony, e cheguei a tocar em bandas, mas sentia que acabava por não ter tempo para compor e regressei. Aqui existe uma serenidade que não há lá e também me parece que hoje a geografia não tem papel tão determinante.” Em Inglaterra não conseguia viver só da música, aqui consegue, ainda não em exclusivo do projecto Francis Dale, mas dando aulas de música ou compondo para teatro (está a compor para um peça do Teatro Nacional e estreou há pouco duas peças na Gulbenkian, no âmbito do programa Echo Rising Stars). 

Por sua vez, Isaura começou por dar nas vistas num programa de talentos da televisão – Operação Triunfo – antes de concluir a licenciatura em biologia molecular e celular, a que se seguiria um mestrado em comunicação de ciência, que é a área onde trabalha. Do universo da música diz que nunca teve uma visão romanceada.

“Nunca achei que fosse um programa de TV, como aquele em que entrei, que fosse resolver fosse o que fosse, mas sim o trabalho, o afinco e a persistência. Dito isto a Operação Triunfo foi importante porque me deu uma noção de espectáculo que não possuía e técnica através das aulas. Talvez não tenha aprendido o que queria fazer, mas ficou claro o que não queria. E esse é um passo importante. Estabeleci um rumo e alguma estabilidade, até porque é isso que me permite depois encetar as experiências da música.”

Olha-se para os discos, fotos ou os vídeos de ambos e percebe-se  que a comunicação do seu imaginário é feito também através da imagem. Por exemplo o último EP de Francis Dale, Square, conta com uma edição limitada com capa feita pelo artista plástico João Pedro Fonseca. E em todos os passos do seu trajecto percebe-se uma intencionalidade artística, o mesmo acontecendo com Isaura.

“Tenho respeito por quem compra um CD e se dispõe a ouvir realmente a minha música”, reflecte ela. “Personalizar o que fazemos e tentar criar um trabalho coeso, é uma manifestação de sensibilidade perante quem se dispõe a ouvir-nos”, conclui ela. “Levo isto a sério. Ligo muito à história das canções, o que significam, por isso esforço-me por comunica-las o melhor que sei.”

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