Mudanças na política de ciência

Em entrevista ao PÚBLICO no passado dia 27 de Fevereiro, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deu conta das mudanças em curso na política de ciência. Não se trata de uma reforma profunda. É sobretudo o regresso à trajetória de desenvolvimento científico que vinha sendo seguida sem ruturas desde 1995, tendo como objetivo a convergência com os países mais desenvolvidos da União Europeia.

Parece pouco, mas é muito.

As medidas já tomadas de reposição de mecanismos de avaliação independente e internacional, de incremento do financiamento em ciência e de retoma do investimento, de alargamento dos programas de formação avançada, de consideração e tratamento equilibrado de todas as áreas científicas são essenciais para relançar a trajetória de desenvolvimento e para recuperar a confiança dos investigadores na política de ciência. As preocupações com a melhoria das condições para a criação de mais e melhor emprego científico revelam uma orientação valorizadora dos recursos humanos, em particular os mais jovens, e a vontade política de superar um problema crítico e de difícil resolução, reconhecendo como óbvio que os investigadores não podem ser bolseiros toda a vida. O apoio a projetos de desenvolvimento científico no quadro da cooperação com organismos internacionais como a Agência Espacial Europeia é, por sua vez, o exemplo da disponibilidade política para investir na mobilização dos recursos científicos existentes para enfrentar e lançar novos desafios.

Os problemas são muitos e de diferente natureza. Porém, os mais críticos são, talvez, os problemas do financiamento, que resultam não apenas das dificuldades orçamentais que todos conhecemos, mas também da inadequada programação dos fundos estruturais, desenhada pelo governo anterior. Esse será um dossiê de negociação difícil, mas de que depende a concretização, com êxito, de boa parte da política científica.

O PÚBLICO fez chamada de capa para a entrevista do ministro com o título “Vou flexibilizar o emprego científico”. O título é infeliz e pode alimentar desconfiança e mal-entendidos em alguns círculos. Penso que a leitura integral e atenta da entrevista permite perceber que o ministro falava da sua intenção de flexibilizar as condições para criar mais emprego científico, “com garantia contratual, com condições dignas de segurança social e de contratação”, aprofundando a autonomia das instituições e diversificando os modelos de contratação e as fontes do seu financiamento.

Claro que o facto de, em algumas universidades, se terem degradado muito as condições de recrutamento dos professores mais jovens nos últimos quatro anos, mantendo-os fora da carreira docente ou de investigação por generalização do recurso ao estatuto de convidado, em regime de trabalho intensivo (lecionação de 8 e 9 disciplinas diferentes por ano), sem direito à dedicação exclusiva, muitas vezes sem direito a subsídio de férias e de Natal, não ajuda a reagir com confiança ao uso de palavras como “flexibilidade”. Também não ajuda o facto de estas situações ocorrem mesmo em universidades com estatuto fundacional e, por isso, com autonomia para fazer contratos dignos.

Porém, importa não confundir os planos do debate público. Maus usos dos instrumentos e mecanismos de gestão sempre existirão. O que importa não é deitar fora a criança com a água do banho mas assegurar a criação e funcionamento dos mecanismos de avaliação e inspeção que permitam controlar e corrigir aquelas situações de abuso e de aposta na precarização dos vínculos contratuais.

Ex-ministra da Educação. Professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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