Uma polémica de todo evitável

O reconhecimento já declarado de Catarina Martins de que o cartaz “foi um erro”, repetido, aliás, por Marisa Matias e outros membros do BE, exprime a constatação de que o tiro saiu pela culatra.

Não se percebe como um partido em franca ascensão de credibilidade social e política no quadro partidário português vai comprar uma desqualificada “guerra de alecrim e manjerona”. Em boa verdade, até duvidei trazer este assunto a esta página. Não recebi qualquer queixa contra o PÚBLICO pela publicação da notícia de 26/02/2016 sobre o cartaz do BE “Jesus também tinha 2 pais”. O mesmo se diga sobre o comentário que as jornalistas Maria João Lopes e Leonete Botelho escrevem sob o título “O Jesus Cristo do Bloco de Esquerda foi mesmo o superstar do dia”. Todavia, porque foi a notícia escrita por Maria João Lopes “Campanha do BE assinala adopção por casais gay” (PÚBLICO, 26/02/2016) que deu repercutida dimensão pública ao polémico cartaz, julguei não dever o provedor ficar em silêncio sobre a questão.

1. Quanto à divulgação feita pelo PÚBLICO (creio em primeira mão) não vejo sentido em qualquer recriminação. O PÚBLICO deu a notícia e não lhe cabia optar pela antecipada censura da mesma. Não sei se foi o Bloco que procurou o PÚBLICO para dar publicidade ao assunto ou se foi o jornal que captou a notícia. Parece-me ser a primeira versão, pois é o próprio Bloco que, através de Sandra Cunha, vem dizer que se pode ler este cartaz integrado, como uma pequena peça, “numa campanha que marca esta conquista enorme do fim da discriminação na lei por causa da orientação sexual”. E esclarece o objectivo da campanha: “Consideramos que, apesar de esta conquista na lei ter sido o culminar de uma série de reivindicações, importa ainda continuar esta batalha na sociedade: mudar mentalidades, destruir preconceitos (…), fazer corresponder o fim da discriminação na lei às mentalidades e à sociedade.”

De facto, uma das características associadas ao lançamento de campanhas propagandísticas ou comerciais é a provocação de polémica. Mas, se a polémica tem um efeito boomerang (isto é, volta-se contra os promotores), borra-se a pintura e os efeitos perversos são inevitáveis. O reconhecimento já declarado de Catarina Martins de que o cartaz “foi um erro”, repetido, aliás, por Marisa Matias e outros membros do BE, exprime a constatação de que o tiro saiu pela culatra e o BE teve um espalhanço inoportuno e muito penalizante para um partido que, mais do que nunca, precisa de confirmar que a sua ascensão em representatividade na sociedade portuguesa corresponde a um fenómeno sério, novo e profundo nos paradigmas da vida política e que não se pode entreter com brincadeiras de mau e injustificável gosto. Aliás, uma realidade ainda pouco entendida na grande opinião pública e, normalmente, disfarçada pelos comentadores e analistas políticos. (Vá-se lá perceber, ou bem se percebe, porquê.) Não era preciso e nada oportuno para o BE ter de vir a juntar estes cacos.

2. Uma outra reflexão que o assunto me merece é a desproporcionada contracampanha desferida por parte das autoridades religiosas e do oportunismo sempre vigilante dos partidos da direita. Estamos em tempos de tudo, menos de “guerras” e disputas por motivos religiosos. Voltar a linguagens de Idade Média ou de cheiro a Inquisição, como o de cartazes “blasfemos e ofensivos”, em nada dignifica a Igreja. A Igreja Católica nestes tempos que vão correndo, controversos e exasperantes para a serenidade dos povos, tem muito mais com que se preocupar do que dar atenção e também ajudar à polémica de cartazes de teor pueril, de mensagens inconsistentes e atraiçoadoras para os seus próprios autores.

E, provavelmente, para pôr fim a este desalinho, o melhor é transcrever parte de uma longa carta que recebi do leitor Carlos Eduardo da Cruz Luna, confesso activista do BE: “Creio que, por vários motivos, o cartaz não serve a ninguém na defesa da adoção por homossexuais. Principalmente não serve a quem a defende. Pela ilogicidade e primarismo de que dá mostras. Eu, ateu, membro e ativista do Bloco de Esquerda, manifesto-me a favor da 'retirada' do dito cartaz da circulação. Não pretendo com estas palavras obrigar a que tal seja feito, ou iniciar um qualquer movimento organizado. Quero somente exprimir a minha opinião, enquanto membro dum partido de esquerda, revolucionário, em que há opiniões diferentes livremente expressas. Faço-o, porque acredito na solidez duma argumentação bem fundamentada e rejeito a necessidade de mergulhar em qualquer forma de metafísica.”

 

CORREIOLEITORES/PROVEDOR

A notícia ou o gesto?

Sinceramente não atinjo bem o sentido do lamento do leitor Acácio Luís Faria: o leitor está contra o facto de o PÚBLICO ter dado a notícia ou contra o gesto do novo Presidente? De qualquer modo, quero garantir que nunca o leitor me incomodou e estamos cá para aceitar discordâncias. Escreve o leitor: “É a última vez que o incomodo. Só para comentar que, se eu quiser provocar graves problemas a um novo presidente em qualquer parte do mundo, nada melhor do que induzir em que católicos, judeus, muçulmanos e outros vão à missa (ecuménica) numa mesquita com o dito Presidente da República presente. É mesmo de quem... (ia dizer algo mais grave, mas, de facto, isto é de quem não tem nada na cabeça). E a propósito, é a última vez que o incomodo porque, provavelmente, vou deixar de comprar o vosso jornal.”

De novo, a linha editorial do PÚBLICO

“É com mágoa – escreve o leitor David Morais –, enquanto leitor, que vos escrevo e dirijo este breve comentário de extremo desagrado pela forma como a linha editorial do PÚBLICO parece estar a ser orientada. Assistimos inegavelmente a um cenário de progressiva dependência dos meios de comunicação portugueses face a interesses diversos que se traduzem numa falta de respeito pelos patamares mínimos de imparcialidade e isenção. Essa progressiva parcialidade transversal aos diferentes meios de comunicação parece hoje estar a atingir proporções épicas, diárias, na imprensa, na televisão, na Internet. É por isso com tristeza que assisto ao facto de o PÚBLICO, órgão que me habituei a respeitar, estar a seguir o exemplo geral (…).” “Esta semana, o PÚBLICO decide voltar a violar de forma crassa a inteligência de quem dele espera um tratamento respeitador das regras deontológicas do jornalismo. No dia 22 de janeiro a (jornalista, suponho) Maria Lopes não encontrou melhor título para descrever a aprovação do Orçamento do Estado pela maioria dos deputados eleitos do que 'O Orçamento de que ninguém gosta vai ser aprovado por alguns'. Talvez para a Maria Lopes, e para quem hierarquicamente a legitimou, 'alguns' deputados não bastem para que 'alguém goste do Orçamento do Estado, mesmo que esses mesmos deputados sejam a maioria. Espero que mantenham o pensamento quando alguns leitores do PÚBLICO deixem de gostar do que leem.”

Comentário do provedor: Prezado leitor, transcrevo este seu comentário, pois tenho a noção que devo transparentemente veicular aos fazedores do PÚBLICO e aos leitores em geral as sensibilidades que ajudam a aferir critérios e opções. Todavia, devo esclarecer que li a peça e nem interroguei a este propósito a jornalista Maria Lopes. Provavelmente nem foi ela quem construiu o título. Mas este, em minha opinião, corresponde a uma situação real e acaba por ser apelativo.

3.º Encontro de Leitores Escritores de Cartas para os Jornais

No próximo dia 13 de Março, domingo, vai realizar-se no Porto, na sede da Unicepe, o 3.º Encontro dos Leitores Escritores de Cartas para os Jornais. Uma iniciativa interessante, pois é importante ter em conta a reflexão daqueles que alimentam estas secções – Cartas aos Directores –, uma plataforma de ligação entre os jornais e os seus leitores.

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