Spotlight é o melhor filme, Iñárritu na história, DiCaprio consagrado

O Óscar do Melhor Filme corresponde a uma “linha média” do cinema americano, que vive em crise nestes tempos. Como, de resto, o jornalismo, que está no centro de Spotlight.

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Mario Anzuoni/Reuters

O Óscar de Melhor Filme, entregue na madrugada de segunda-feira em Hollywood, foi para uma obra altamente estimável, e foi um prémio até algo surpreendente, dada a sobriedade (e uma certa modéstia) de O Caso Spotlight, quando a tendência tem sido distinguir os filmes "grandes" e espalhafatosos. Por isso, e pelo evoluir da 88.ª edição dos Óscares da Academia de Hollywood, estávamos mais à espera, quando Morgan Freeman abriu o envelope e leu o seu conteúdo, de ouvir The Revenant (que recebera três Óscares, dois deles para o realizador, Alejandro G. Iñarritu, e para o actor Leonardo DiCaprio) ou Mad Max: Fury Road (seis, o filme mais premiado).

A noite dos Óscares ao minuto

O filme de Tom McCarthy, figura discreta desde o seu tempo de "independência" (um filme como The Station Agent, por exemplo), tem primado justamente pela sobriedade e pela seriedade (não confundir com sisudez), a lembrar aquela craftsmanship da Hollywood de há tempos não muito remotos, e o seu desejo de ligação ao tempo em que vive. Teve ainda o Óscar do Melhor Argumento Original (A Queda de Wall Street, filme sobre a crise financeira de 2008, teve o Óscar do Melhor Argumento Adaptado).

De todos os nomeados, O Caso Spotlight era o filme mais parecido com um filme dos anos 70: "Quem não tem Pakula caça com Tom McCarthy", escrevemos na altura, a pensar na relação entre um filme como Spotlight e um clássico do "drama jornalístico" como Os Homens do Presidente (1976). Falta-lhe a profundidade paranóica do filme de Alan J. Pakula e a complexidade da sua construção, mas também é mais do que só um filme escorreito, e acaba por ter um significado especial: corresponde a uma “linha média” do cinema americano, que vive em crise nestes tempos. Como, de resto, o jornalismo, que está no centro do filme.

“Este filme deu voz aos sobreviventes, e este Óscar amplifica a voz que esperamos se torne num coro que ressoará até ao Vaticano”, disse em palco, de estatueta na mão, o produtor Michael Sugar, rodeado do elenco que representou no grande ecrã a equipa de jornalistas do Boston Globe que investigou e desencadeou a denúncia do escândalo de pedofilia na Igreja Católica, acabando por descobrir décadas de encobrimento nas mais altas instituições de Boston, não só da igreja como até do Governo. “Papa Francisco, está na altura de proteger as crianças e restaurar a fé”, acrescentou ainda, condenando o silêncio "conivente" institucional no que à pedofilia diz respeito.

“Não estaríamos aqui hoje sem o esforço heróico dos nossos repórteres”, reagiu a produtora Blye Pagon Faust, defendendo que a investigação de 2001 deste grupo de jornalistas não só provocou uma mudança no mundo como mostrou a importância do jornalismo de investigação.

Já antes da cerimónia, McCarthy, o actor Mark Ruffalo e o co-argumentista Josh Singer tinham aproveitado a passagem por Los Angeles para se juntarem a um protesto contra os abusos sexuais na igreja em frente à Cathedral of Our Lady of the Angels. “Ao lado dos sobreviventes do abuso sexual por padres”, escreveu no Twitter Ruffalo, que interpreta no filme o jornalista luso-descendente Mike Rezendes – também ele presente nos Óscares.

Por entre toda a controvérsia que rodeou os Óscares, quando questionado sobre o boicote à cerimónia, há umas semanas, o actor já tinha defendido a sua importância nos prémios: “Estou num filme que representa todo um outro grupo de pessoas marginalizadas que não têm voz no mundo e este filme significa tanto para eles...”.

O tema do abuso sexual não foi apenas lembrado pela equipa de Spotlight. Lady Gaga, nomeada para Melhor Canção Original com que Til It Happens To You, do documentário The Hunting Ground, falou sobre o assunto ainda na passadeira vermelha, afirmando-se ao lado das vítimas de abuso e afirmando-se também ela uma vítima.

A actuação da cantora foi precedida pela apresentação de Joe Biden, o vice-presidente dos EUA, que aproveitou o momento para fazer um breve discurso sobre a importância de agir quando vemos alguém ser vítima de abuso, homem ou mulher.

Iñarritu na história e a primeira vez de Di Caprio
O Caso Spotlight foi mesmo a surpresa da noite. Se ter conquistado o primeiro Óscar da noite, o de Melhor Argumento Original, poderia ser indicativo de alguma coisa, tudo apontava para a triunfo de Alejandro G. Iñarritu. Só tinha acontecido a John Ford em 1940 e 1941 (por As Vinhas da Ira e O Vale Era Verde), e Joseph L. Mankiewicz em 1950 e 1951 (por Carta a Três Mulheres e Eva) terem conquistado o Óscar de Melhor Realizador em dois anos consecutivos. O realizador mexicano entrou assim para um clube restrito, mas isso não bastou para que o seu The Revenant: O Renascido conquistasse a estatueta de Melhor Filme.

“Eu nem acredito que isto está a acontecer”, reagiu Iñarritu, agradecendo aos actores Leonardo DiCaprio e Tom Hardy pelo seu trabalho no filme. “É maravilhoso receber este prémio hoje, mas é muito mais bonito para mim partilhá-lo com os talentosos e malucos do elenco, colegas e membros da equipa em todo o continente que tornaram este filme possível.”

O realizador não deixou de falar no tema que mais se ouviu nos Óscares, com Chris Rock à cabeça: a falta de oportunidades para as minorias. Iñarritu defendeu que ainda se olha muito para a cor de pele e que é tempo de esquecer o preconceito.

Na ressaca da festa, é de DiCaprio que mais se fala. À quinta nomeação, o actor conquistou finalmente o Óscar. Leonardo DiCaprio agradeceu a Iñarritu e a Tom Hardy, destacando não só o talento de cada um como a amizade atrás das câmaras, para de seguida alertar para as mudanças climáticas, tema a que tem dedicado grande parte do seu tempo. “A mudança climática é real e está a acontecer agora”, disse o actor. “É a ameaça mais urgente que enfrentamos”, continuou, defendendo que é preciso “parar de procrastinar”.

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