Afinal, os 62 centros científicos não financiados podem vir a ter dinheiro

Orçamento do Estado para a ciência e o ensino superior foi discutido nesta segunda-feira no Parlamento. O ministro Manuel Heitor insistiu numa mudança política de retorno ao aumento de investimento para a ciência.

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A avaliação das 322 unidades de investigação científica do país está a ser revista pelo novo ministro da Ciência Maria João Gala

Há mais uma novidade sobre o financiamento dos centros de investigação. Um número ainda desconhecido das 62 unidades que obtiveram uma má nota na polémica avaliação iniciada em 2013, e que deixaram de ser financiados por isso, vai agora ser incluído num novo programa de recuperação, esclareceu nesta segunda-feira ao final do dia o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), a pedido do PÚBLICO.

De acordo com Manuel Heitor, ministro da Ciência, o objectivo é que estes centros sejam financiados já em 2016 para se manterem vivos e poderem vir a ser avaliados na próxima avaliação às unidades de investigação, que está a ser preparada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e será realizada em 2017.

“Os princípios que estiveram na base da [última] avaliação foram errados. A avaliação é para incluir, responsabilizar e garantir uma abrangência das áreas científicas”, disse o ministro esta segunda-feira na audição para apreciação na especialidade do Orçamento do Estado de 2016 na Assembleia da República (AR). “Vamos lançar um programa de recuperação das unidades [sem financiamento].”

Lançada pelo antigo presidente da FCT, Miguel Seabra, e levada a cabo pela European Science Foundation (ESF), a avaliação às unidades de investigação foi duramente criticada. O processo de avaliação serviu para definir o orçamento anual dos centros, que permite sustentar as despesas de base da investigação científica.

As unidades classificadas com “insuficiente” e “razoável” não recebiam dinheiro. E mesmo aquelas que tinham “bom” recebiam algum financiamento de base mas já não passavam à segunda fase da avaliação (onde seriam distribuídas sobretudo as notas de “muito bom”, “excelente” e “excepcional”, que davam acesso ao grosso do financiamento). A meio da avaliação, foi divulgado o contrato entre a FCT e a ESF, revelando que estava previamente definido que só cerca de metade dos centros poderiam passar para a segunda fase. Esta quotização prévia dos resultados da avaliação originou muita polémica.

Quando o processo terminou, das 322 unidades avaliadas, 90 tiveram “bom”, 33 “razoável” e 32 “insuficiente”. Mas houve 73 reclamações dos resultados e 28 dessas reclamações acabaram por ser aceites, como foi divulgado no sábado.

Ao todo e depois das reclamações, as classificações de 62 centros não dão direito a financiamento de base anual, mas Manuel Heitor diz quer mudar isso. “Tem de haver um programa de recuperação das unidades que ficaram sem financiamento. Já a implementar em 2016. Fará sentido deixar de haver física ou química no Centro e Sul do país? Ou deixar de haver linguística no Porto?”, disse aos jornalistas, após a audição.

O programa de recuperação está a ser discutido com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e “todas as unidades sem financiamento” estão incluídas na discussão, esclareceu o MCTES ao PÚBLICO.

“Até ao final da semana saberemos a dimensão deste programa”, disse Manuel Heitor aos jornalistas na AR, não confirmando ainda o número de unidades que será abrangida pelo programa nem o financiamento destinado. Há cerca de 80 milhões de euros para os centros em 2016.

Carreira científica no debate

No debate na AR, tanto Manuel Heitor como os deputados do PS assumiram que o orçamento de 2016 para o MCTES não era o ideal, mas representava uma mudança. Na discussão, os deputados dos do PCP e do BE fizeram perguntas sobre o emprego científico e as propinas no ensino superior, enquanto a direita acusou Manuel Heitor de estar a destruir o que se construiu na governação de Pedro Passos Coelho.

“A ideia deveria ser de continuidade e não de ruptura”, disse a deputada social-democrata Nilza de Sena, argumentando que a política do PSD melhorou o sistema científico.

Mas Manuel Heitor assumiu a mudança. “Pela primeira vez, entre 2010 e 2014, Portugal divergiu da Europa”, disse aos deputados, referindo-se à queda da percentagem do PIB que o país aplicou em investigação e desenvolvimento durante o governo do PSD-CDS. A dotação orçamental do MCTES para 2016 representa um aumento de 2,7% face a 2015. “Este é um aumento modesto, mas é um aumento de mudança”, garantiu.

O ministro diz querer ainda aumentar o número de alunos do ensino superior. Para isso, defende uma aposta nas bolsas da acção social, mas não mostrou vontade em mexer no valor das propinas. Uma ideia contestada por Manuel Tiago, do PCP, que defendeu o “congelamento do valor das propinas” como um primeiro passo para uma política de inclusão social com o objectivo de tornar o ensino superior gratuito. “As propinas são um dos principais impedimentos para a entrada [de alunos] no ensino superior”, disse também Luís Monteiro, deputado do BE.

Manuel Heitor defendeu ainda a “flexibilização” da carreira científica. Ou seja, a substituição das bolsas de pós-doutoramento por contratos de trabalho, em que os cientistas passariam a ter os mesmos direitos sociais do que os outros trabalhadores e subindo na carreira de contrato em contrato.

Esta ideia de flexibilização foi criticada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior. “Mas isso é a vida de todos nós”, considerou Manuel Heitor, argumentando que na carreira universitária, em Portugal como nos outros países, os professores têm contratos a termo até serem integrados nas universidades.     

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