Crónica de uns galardões anunciados

O mexicano Alejandro González Iñárritu parte favorito com o seu neo-western O Renascido, com 12 nomeações entre as quais a “dobradinha mágica” Melhor Filme/Melhor Realizador.

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Alejandro González Iñárritu viu, no ano passado, o seu filme Birdman arrecadar três estatuetas Kevork Djansezian/ AFP

Quando, esta noite, Chris Rock subir ao palco do Dolby Theatre em Hollywood para dar início à cerimónia de entrega dos 88.º Prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a mais controversa corrida aos Óscares da história dos galardões entrará na recta final. Independentemente de toda a polémica sobre quem estava, quem não estava e quem devia ter estado, os Óscares e a sua visão específica e esquinada a partir de Hollywood sobre o planeta cinema voltarão a dominar as atenções e os holofotes mediáticos.

Para 2016, o mexicano Alejandro González Iñárritu parte favorito com o seu neo-western O Renascido, com 12 nomeações entre as quais a “dobradinha mágica” Melhor Filme/Melhor Realizador, e Melhor Actor para Leonardo di Caprio, também ele favorito na categoria.

O triunfo de Iñárritu, que parece inevitável para a maioria dos observadores, equivaleria à repetição da sua vitória em 2015 com os galardões de Birdman ou (A Inexplicável Virtude da Ignorância). Ao mesmo tempo, recompensaria igualmente o filme nomeado cujo reconhecimento da imprensa (mesmo que longe de unânime) igualou o sucesso público. O êxito internacional de O Renascido – que, superior a 300 milhões de receitas globais, se aproxima a passos largos dos resultados de Mad Max: Estrada da Fúria ou Perdido em Marte não era um dado adquirido à partida, muito menos para um filme entendido como “de autor”. (Em Portugal, o filme aproxima-se a passos largos dos 300 mil espectadores.)

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Leonardo di Caprio, por seu lado, chega aqui à sua quarta nomeação para melhor actor sem nunca ter ganho – as exigências físicas do papel de um batedor deixado às portas da morte, implicando comer fígados crus e longos dias de hipotermia (o tipo de coisa que os membros da Academia sempre gostam de premiar), podem garantir que será desta vez que o actor lá chega.

Os títulos “comerciais” nomeados são filmes que receberam os favores da crítica, mas que nada faria esperar aparecerem na lista final; deverão, em princípio, monopolizar as categorias técnicas, mas têm menos hipóteses de levarem alguma das estatuetas de maior peso. O “MacGyver no espaço” que é Perdido em Marte, de Ridley Scott (sete nomeações), faz as vezes do Apollo 13 de Ron Howard há uns anitos atrás, embora sem o “peso” institucional daquele.

Vista a relutância tradicional da Academia em apostar nos filmes de género puro e duros, a presença de Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller (o segundo filme mais nomeado, com dez citações, quase todas técnicas), é mais surpreendente, embora derive da resposta entusiasmada de uma imprensa e de um público que não esperavam do reacender de um velho franchise de género um filme capaz de apontar uma saída para os becos sem saída de Hollywood.

As tradicionais “histórias verídicas” estão este ano representadas por três filmes que tiveram resultados sólidos, mas pouco espectaculares nas bilheteiras. O Caso Spotlight, de Tom McCarthy, A Ponte dos Espiões, de Steven Spielberg (ambos nomeados para seis estatuetas), e A Queda de Wall Street, de Adam McKay (cinco nomeações). A história da investigação dos escândalos de abuso pedófilo na igreja católica americana partiu para as nomeações com muito gás, até pela dimensão de “filme de jornalistas” de que os Óscares tanto gostam, mas, ao longo dos meses, O Caso Spotlight deixou-se ficar para trás, como aliás aconteceu a A Queda de Wall Street, apesar do tema quente da crise económica e de um elenco de luxo. O filme de Spielberg, sobre um episódio da Guerra Fria, está longe de partir como favorito em qualquer das categorias para que está nomeado, com a possível excepção de Mark Rylance na categoria de actor secundário.

Restam os “independentes” de prestígio, representados em 2016 por duas co-produções irlandesas (Brooklyn, de John Crowley, com três nomeações, e Quarto, de Lenny Abrahamson, com quatro) e duas inglesas (Carol, de Todd Haynes, com seis nomeações, e A Rapariga Dinamarquesa, de Tom Hooper, com quatro). Filmes que tiveram recepções modestas em termos de público e crítica, e que poderiam beneficiar dos prémios, são exemplos de uma “produção média” feita à revelia dos estúdios que Hollywood já há muito sub-contratou ao Reino Unido, mesmo quando supostamente se contam histórias americanas.

Todos estão nomeados nas categorias de representação. Brie Larson parece ser a actual favorita para o galardão de Melhor Actriz pela sua mãe raptada e abusada em Quarto, depois das declarações politicamente incorrectas de Charlotte Rampling a terem praticamente “desqualificado” por 45 Anos. Mas Saoirse Ronan (Brooklyn) e Cate Blanchett (Carol) têm vantagens fortes, e a hipótese de Eddie Redmayne repetir o prémio de Melhor Actor depois de A Teoria de Tudo, pela personagem transgénero que interpreta em A Rapariga Dinamarquesa, não é inteiramente descabida.

Nas categorias secundárias, Sylvester Stallone é o favorito por Creed, com Mark Rylance como único capaz de lhe fazer frente, e a corrida de actriz secundária está em aberto, com concorrentes fortes em Rooney Mara (Carol), Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados), Rachel McAdams (O Caso Spotlight) e Kate Winslet (Steve Jobs). E o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro parece destinado a um de dois “filmes de tema” o húngaro O Filho de Saul, de Lászlo Némes, sobre o Holocausto, e o franco-turco Mustang, de Deniz Gamve Ergüven, sobre a repressão do feminino.

Amanhã, por estas horas, já se saberão os vencedores. E tudo se apaziguará por mais nove meses.

 

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