O banqueiro comunista

Já lá vão 14 anos. Durão Barroso era primeiro-ministro e Jorge Sampaio era Presidente. Um grupo de 40 economistas, empresários e gestores leva a Belém e a São Bento um documento com o pomposo nome de "Contributo para um Conceito Estratégico Nacional: a Importância dos Centros de Decisão Nacionais". Para atalhar a linguagem, resolveu-se chamar ao documento "Manifesto dos 40". Os subscritores eram ilustres nomes da nossa praça: Ricardo Salgado, Jardim Gonçalves, Eduardo Catroga, Jorge Armindo, Francisco van Zeller, Alexandre Soares dos Santos, Vítor Bento, e mais uns quantos notáveis até perfazer os 40.

Estas personalidades queriam a fixação dos centros de decisão das empresas em Portugal, defendendo que o Governo não deveria tomar só em conta as razões económicas nos processos de privatização que se avizinhavam. A nacionalidade também tinha de contar. Na altura, Van Zeller, da CIP, pedia que as telecomunicações, as finanças, as energias e os recursos naturais “continuassem a ficar no nosso país”. Passou mais de uma década e a Portugal Telecom hoje é francesa, os bancos são de capital angolano e espanhol, a EDP é chinesa, e os recursos naturais são de quem der mais dinheiro. E pelo meio o país entrou em bancarrota e teve novamente de chamar o FMI.

Não sou completamente insensível ao tema dos “centros de decisão nacionais”. Acredito que uma Sonae ou uma Jerónimo Martins, por terem base e capitais portugueses, possam dar preferências a fornecedores locais, desde que o preço e a qualidade se enquadrem na racionalidade do negócio. Também não sou fundamentalista sobre o assunto, sobretudo quando vejo uma Autoeuropa, que é uma empresa alemã, a fazer mais de 60% das suas compras (mais de 800 milhões de euros) a fornecedores nacionais. Mas quando vejo o que os “centros de decisão nacionais” fizeram à Portugal Telecom ou ao BES, já começo a embirrar com esse conceito e a ter mais simpatia por aqueles que falam, ao invés, da necessidade de termos “centros de competência nacionais”.

Esta semana, Vítor Bento, um dos principais responsáveis pela formulação teórica do "Manifesto dos 40", voltou a ser notícia por ter dado uma entrevista ao Diário Económico a defender a tese da manutenção da banca em mãos nacionais, apontando uma eventual nacionalização do Novo Banco como um passo nesse sentido.

Não concordo, mas até percebo que se possa defender a nacionalização por uma questão de ideologia. O PCP é a favor da nacionalização da banca porque acha que os banqueiros são uns aldrabões, porque é contra a propriedade privada e porque tem preconceito contra o lucro. Mas não percebo que se defenda a nacionalização com o tal argumento bolorento dos "centros de decisão nacionais". O BPI é de angolanos e espanhóis e é um banco bem gerido e que contribuiu imenso para apoiar e financiar os particulares, as empresas e o Estado português. O Santander idem aspas, tirando a parte dos angolanos. O BCP idem aspas, tirando a parte dos espanhóis. O BES, que era o grande centro de decisão nacional, capotou. O Banif, com capitais nacionais, desfez-se. E o BPP idem aspas. E o BPN idem aspas. E assim se desmonta a utilidade da tese dos "centros de decisão nacionais" na banca.

Para bancos públicos já nos basta a Caixa. Todos os grandes bancos já regressaram aos lucros em 2015, mas a CGD ainda não, porque José de Matos continua a limpar o balanço dos créditos arriscados, manhosos, especulativos, promíscuos e duvidosos que o banco público deu no passado. Muitas vezes a mando do poder político.

A engenharia financeira defendida pelos comunistas para nacionalizar o Novo Banco até parece ser sedutora. O Fundo de Resolução pagaria de volta os 3,9 mil milhões que o Estado emprestou em Agosto de 2014, e o Estado agarrava nesse dinheiro e comprava o Novo Banco, devolvendo o dinheiro ao Fundo de Resolução. E como o Fundo de Resolução é uma entidade pública, a operação “parece ser neutra do ponto de vista contabilístico”, diz o deputado Miguel Tiago, do PCP. Parece, mas não é. Primeiro, porque o Estado abdicaria de usar esses 3,9 mil milhões de euros para abater à dívida pública, como é suposto. Claro que para o PCP isso não é um problema, porque os comunistas há muito que defendem que a dívida deve ser reestruturada. Se não for, azar o deles, ou melhor, azar o nosso.    

Depois de nacionalizar, o Estado ficaria em mãos com um activo que agora vale o que vale, mas que daqui a uns anos se calhar valerá bastante menos. Nos dias que correm, o negócio da banca não é rentável e é um grande sorvedouro de dinheiro. E o que se fará nessa altura? Pede-se mais dinheiro emprestado, que depois o PCP tratará de reestruturar tudo. Se não conseguir, a troika há-de vir outra vez reestruturar a nossa vida.

A nacionalização do Novo Banco também iria ao arrepio da lógica que a Europa e nós próprios estamos a construir quando concordámos com a união bancária e com a lei da resolução, que foi a de tentar separar o risco bancário do risco soberano. Se demos um passo em frente e aceitámos a lógica de que devem ser os outros bancos, os accionistas, os credores e até os depositantes a assumir os riscos e a financiar o resgate dos bancos, por que havemos nós agora de dar dois passos atrás e colocar novamente o ónus do risco bancário no contribuinte? Por ideologia retrógrada? Por patriotismo bacoco?

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