Nenhum partido tem legitimidade para propor já legalização da eutanásia, diz bastonário

Bastonário defende que o PAN, que incluía o tema no programa eleitoral, é o único partido com legitimidade para apresentar uma iniciativa legislativa sobre eutanásia e propõe criar comissões de cuidados paliativos nos hospitais para avaliar situações de encarniçamento terapêutico (distanásia).

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O parecer do Conselho de Ética diz que a opção de limitar o acesso a fármacos é "desejável" Nuno Ferreira Santos

Os responsáveis da Ordem dos Médicos (OM) estão divididos sobre a legalização da eutanásia. Enquanto o bastonário da OM, José Manuel Silva se assume frontalmente contra, o presidente da Secção Regional do Sul, Jaime Teixeira Mendes, é a favor, sendo um dos subscritores do manifesto da morte assistida que há duas semanas pôs a discussão deste tema na ordem do dia.

De resto, o presidente da OM/Norte, Miguel Guimarães, defende que esta é “uma discussão precoce” porque, “ no que diz respeito a morrermos com dignidade, ainda há muito a fazer, nomeadamente nos cuidados paliativos”. Já o presidente da OM/Centro, Carlos Cortes, prefere, por enquanto, não tornar pública uma posição sobre esta matéria e promete um debate em Março.

Para José Manuel Silva não há dúvidas, porém: caso se “instale uma cultura de eutanásia” em Portugal, a partir do momento em que esta se torne legal no país, “facilmente passará de um direito a um dever”. Enfatizando que "os médicos estão formatados para salvar vidas, não para matar", o bastonário defende também que "nenhum partido político tem legitimidade para propôr iniciativas nesta legislatura". "Só se for o PAN, o único que se propõe lançar o debate sobre a eutanásia no seu programa eleitoral".

João Semedo, ex-lider do Bloco de Esquerda, responde que o partido não voltou a ter outro programa eleitoral, desde 2009, mas sim manifestos eleitorais. “É o argumento do desespero porque há dezenas de declarações minhas públicas e oficiais a comprometer o bloco na apresentação de um projeto de lei”, diz João Semedo. 

Num ponto todos concordam: esta é uma matéria muito complexa. E por isso insistem na necessidade de continuar com debates públicos sobre esta questão – o primeiro foi em Lisboa, na semana passada,  e o segundo no Porto, esta terça-feira à noite. Ao mesmo tempo o bastonário admite fazer um referendo à classe num futuro próximo, se for necessário alterar o código deontológico. Vão seguir-se debates só com psiquiatras e debates nas distritais da Ordem dos Médicos. "São necessários muitos debates para aprofundar a situação e analisar os exemplos (de países onde a eutanásia já está legalizada, como a Bélgica e a Holanda)", diz.

Inquirido pelo PÚBLICO sobre a forma como actualmente se morre nos hospitais portugueses, José Manuel Silva adianta que já propôs a criação de comissões de cuidados paliativos em cada hospital para avaliação das situações de distanásia (encarniçamento terapêutico), de maneira a que não tenham que ser os médicos sozinhos a decidir se suspendem ou não os tratamentos. 

Sobre os debates já realizados na OM, admite que não têm “passado da espuma”. "Se esta é uma élite intelectual e por vezes não sabe do que está a falar, como será com a população em geral?", pergunta, a propósito.

Talvez por isso Miguel Guimarães, presidente da OM/Norte considerou, citado pela Lusa, que  “mais importante" do que debater a eutanásia é questionar "o facto de não existir em Portugal uma boa rede de cuidados paliativos, que permita o acesso a todos os doentes”. Por isso, advoga, "qualquer debate sobre a dignidade no fim de vida deve incluir o combate à distanásia e a exigência de uma rede de cuidados paliativos altamente diferenciados, que permitam uma morte digna e serena”.

No debate de terça-feira, no Porto, Jaime Teixeira Mendes, da OM/Sul,  explicou que assinou o manifesto porque defende “a autonomia do cidadão”. A Bélgica, onde a eutanásia está legalizada, é um dos países com melhor cobertura de cuidados paliativos, recordou para contrariar a tese dos que defendem que, primeiro, é preciso apostar neste tipo de cuidados. “ O que está a acontecer é que os médicos estão a perder o poder. Muitos dos nossos colegas não têm capacidade de empatia, a capacidade de se pôr no lugar do doente. Há médicos, que por defesa, se afastam. Em casos complicados vão-se embora", declarou.

Uma investigação da Visão, que é a capa desta semana, revela, entretanto, que a droga mais utilizada para a prática de suicídio assistido (a mesma que é usada nas clínicas da Dignitas, na Suiça) já provocou quatro mortes em Portugal, confirmadas pelo Instituto de Medicina Legal. A revista apurou também que há inúmeros vendedores que, por 500 euros, fornecem o barbitúrico fatal. Philip Nitschke, o médico australiano que difundiu o uso desta droga para os doentes terminais, confirmou à Visão o interesse dos portugueses pela substância. Na Exit, a associação pró-eutanásia que fundou e que ajuda a encontrar os vendedores, estão mais de 30 portugueses inscritos, disse.

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