Está tudo escrito

A batota de quem escreve é vergonhosa: escrevemos para toda a gente que nos queira ler. Mas quem nos lê lê-nos individualmente.

Escrever é uma maneira de conhecer pessoas. Escrevendo e sendo lido – uma vez em cem mil vezes – tenho a sorte de virem ter comigo pessoas que se aproximam de mim com a intimidade de pessoas amigas.

É como se tivéssemos saltado por cima dos obstáculos do costume: o desconhecimento; a vergonha; a vontade de não incomodar; a possibilidade de nos darmos mal.

As pessoas que escrevem têm de ser abertas – nunca podem querer ditar, fechar ou ensinar – mas são as pessoas que lêem que verdadeiramente abrem as que escrevem ao conhecimento.

A semana passada escreveu-me uma pessoa (a Teresa) e falou comigo, em pessoa, outra pessoa (o Raúl), com quem me cruzei na Praia das Maçãs.

Eu escrevo, como todos os escritores, para toda a gente que tenha a vontade paciente de me ler. Mas tanto a Teresa como o Raúl responderam-me pessoalmente. A Teresa escreveu uma carta só para mim e o Raúl falou comigo em pessoa.

A batota de quem escreve é vergonhosa: escrevemos para toda a gente que nos queira ler. Mas quem nos lê lê-nos individualmente.

A Teresa e o Raúl enriqueceram-me. Mas eu sinto-me, com razão, batoteiro: eu não sabia que ela e ele existiam e não escrevi nada para eles. Escrevo agora, para os dois, sabendo que ainda não é tarde.

Escrever é redigir um anúncio à procura de uma única leitora ou de um único leitor que seja. A resposta deles – caso apareça – é a maior alegria que pode ter uma pessoa que tenha não só o prazer como o vício de escrever.

 

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