“Em Portugal há ainda algum tradicionalismo e cinzentismo” na política

José Santana Pereira é investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, professor no ISCTE-IUL e doutorado em Ciências Políticas e Sociais pelo Instituto Europeu de Florença. Acaba de lançar o livro Política e Entretenimento.

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José Santana Pereira acaba de lançar o livro Política e Entretenimento Daniel Rocha

A política pode ser divertida? “Muito.” Com 33 anos, o politólogo José Santana Pereira considera que o papel do humor na política tem um grande potencial. Não é este, porém, o olhar de algumas elites políticas mais tradicionais em Portugal, diz. Na obra que escreveu aborda, entre outros temas e olhando para diferentes países, o humor, o entretenimento e a celebrização no universo da política. 

Que aspectos do cruzamento entre política e entretenimento podem ser positivos e quais os riscos?
O que a literatura sugere, numa primeira fase, é que esta aproximação tem riscos. Mas há uma geração de politólogos, de estudiosos de comunicação política que defendem que a aproximação entre políticos e entretenimento pode ter efeitos positivos: aumentar o conhecimento e a informação sobre política junto de pessoas que raramente vêem telejornais ou lêem jornais; fazer com que fiquem mais predispostas a assistir a programas informativos. Depende do enquadramento, da qualidade da informação veiculada pelos programas de entretenimento.

Aí vêm os riscos?
Sim. Há programas de grande qualidade e de menor. Pode correr-se o risco de se pensar principalmente nestes protagonistas do ponto de vista das suas características pessoais, que não têm nenhuma relevância política. A política de estilo de vida é muito forte em Itália, uma espécie de produto político que Silvio Berlusconi colocou nas prateleiras eleitorais.

Mas há aspectos da vida dos políticos, da sua personalidade, que podem ter relevância política?
Um líder tem de ter capacidade de concretizar um determinado programa político, de liderar um conjunto de colaboradores. Os aspectos relacionais e de empatia também são importantes. Às vezes, o enfoque não é colocado nestas características associadas à tarefa e ao relacionamento com o eleitorado, mas nas características pessoais que têm relevância política zero. Isso baixa o nível do processo de comunicação política.

Por exemplo?
O aspecto físico. Ou aspectos do passado que não contribuem para que o líder tenha maior ou menor capacidade de exercer o cargo. Às vezes, são aspectos sumarentos. E o aspecto de interesse humano associado a estas histórias é tão grande que acabam por ter mais cobertura mediática do que aquilo que são as características verdadeiramente importantes de uma liderança.

A forma como se cobre a política em Portugal é cinzenta e aborrecida?
A minha resposta curta seria sim, ainda que tenha vindo a mudar, nos últimos anos. Em comparação com Itália, EUA e outras democracias ocidentais consolidadas, em Portugal ainda há algum tradicionalismo e cinzentismo, por parte das lideranças políticas, dos jornalistas, das pessoas que trabalham conteúdos sobre política. Sempre que há um elemento de inovação há um grande potencial para uma crítica. Há uma grande formalidade e seriedade na maneira como os políticos portugueses se apresentam na televisão, nos programas de debate, de comentário. Mas há uma mudança, sobretudo geracional.

Está optimista ou pessimista quanto a essa mudança?
Existem riscos no processo de espectacularização da política, mas sou optimista. A diminuição de fronteiras entre política e entretenimento, não resolvendo completamente o problema, que se resolve através de outros factores, pode servir de panaceia, ajudar as pessoas a olharem de outra forma para a política, a recuperarem interesse pelas questões políticas.

Disse que esses problemas resolvem-se de outra forma. Como?
Há uma série de questões que têm a ver com o funcionamento das instituições políticas, com a qualidade das elites políticas. Nem tudo depende da maneira como a política é comunicada. A comunicação política é muito importante, mas é preciso ver o que está a montante. Eventualmente parte do problema passa também pelo entendimento das elites políticas e das instituições políticas, pouco preparadas ou incapazes de resolver os principais problemas da sociedade. Isso é o problema principal.

Nos EUA, há um escrutínio muito maior sobre a vida dos políticos. Em Portugal, menos. Os políticos portugueses também falam menos sobre a sua vida pessoal. Não seria uma forma de humanizar os políticos?
Essa foi uma das razões pelas quais essa estrada foi trilhada nos EUA e em Itália: desconstruir a ideia de que os políticos pertencem a outro mundo, que são uma espécie de extraterrestres.

Qual o papel que o humor ocupa na política em Portugal? Por vezes, são os humoristas quem mais facilmente põe políticos a contar histórias pessoais. Porquê?
Os políticos portugueses não estão a priori predispostos para revelar aspectos da sua vida pessoal. E quando um político aceita ir a um programa de humor, de entretenimento, está numa situação de alguma fragilidade. Não se sente 100% à vontade…

Mas o retrato acaba por ser positivo…
Porque há o efeito surpresa. Lembro-me da reacção à participação de Manuela Ferreira Leite [no Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios]. Tinha, na opinião pública, uma imagem de pessoa relativamente sisuda, fechada. Ver Manuela Ferreira Leite reagir de maneira bem-disposta, irónica, bem-humorada teve esse elemento surpresa. Parte da razão pela qual os líderes políticos aceitam participar neste tipo de programas é para mostrar um outro lado, que permita criar outro tipo de laços com o eleitorado.

Mas Pedro Passos Coelho rejeitou, na altura das eleições legislativas, ir ao programa Isto é tudo muito bonito mas… Como interpreta esta recusa?
Essa recusa tem de ser entendida no contexto de uma estratégia mais alargada. Passos Coelho tentou, numa situação em que a coligação estava a subir nas sondagens, passar entre os pingos de chuva, expor-se o menos possível. Havia uma série de razões supostamente válidas, na sua opinião e das outras pessoas, que fariam com que tivesse uma excelente justificação para não participar. O facto de o país estar a atravessar um momento não particularmente positivo significaria que eventualmente não seria correcto que o primeiro-ministro participasse num programa não sério. Foi estratégico. Até porque em 2011 Passos Coelho tinha um momento ainda mais grave da situação económica e financeira do país e foi ao programa 5 Para a Meia-noite, pensado para o contexto da campanha.

No livro coloca a hipótese de Marcelo Rebelo de Sousa ser o primeiro “telepresidente”. Como avalia a figura de Marcelo tendo em conta este cruzamento entre política e entretenimento?
O facto de ter estado presente nos noticiários de domingo provocou esse efeito de celebrização da sua imagem. No entanto, é um processo de celebrização bastante sóbrio. O espaço de comentário no programa era um pouco mais infotainment, embora não puro e duro. Mas não houve enfoque na vida privada como noutros países, como nos casos de Silvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy. Quando a campanha presidencial começou, o livro já estava escrito. Foi uma campanha menos cinzenta, ainda assim bastante tradicional. Mais descontraída, sim. Aquela fotografia de Marcelo a pentear uma cabeleireira marcou muito o que tentou fosse a sua campanha. 

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