Jovens fotojornalistas portugueses que estão a dar cartas lá fora

Eduardo Leal, José Sarmento Matos, Patrícia de Melo Moreira, Lara Jacinto e Pepe Brix. Um dia os holofotes podem estar neles, se é que ainda não estão

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Há menos de uma semana, e com apenas 28 anos, Mário Cruz venceu o primeiro prémio na reputada categoria de Temas Contemporâneos do World Press Photo 2015 (WPP). Foi o quinto português a consegui-lo; o quarto, Daniel Rodrigues, venceu em 2013, aos 25 anos, o primeiro prémio na categoria "Daily Life", e agora está nas bocas do mundo. Nos últimos tempos, repetem-se regularmente as notícias de prémios internacionais de fotografia e de fotojornalismo para portugueses — algo mudou? Fomos conhecer cinco jovens fotojornalistas de perfis distintos que estão a dar que falar lá fora, e cá dentro, apurar respostas, auscultar o seu futuro. Um dia, os holofotes podem estar neles, se é que ainda não estão. Espreita o trabalhos deles nesta galeria e, já agora, ajuda-nos a completar a lista à esquerda.

Eduardo Leal (Porto, 1980)

Durante dois anos, Eduardo Leal não teve casa. Tinha uma mochila (“com pouca roupa”), o computador, o material fotográfico. Viajava e trabalhava. Por alturas do Mundial do Brasil fez as contas: em sete meses, tinha estado em 60 sítios diferentes. Entretanto, estabeleceu-se em Medellín, Colômbia, e continua a correr a América do Sul, vivendo dos seus projectos fotográficos e de comissões regulares — “Washington Post”, “Time.com”, “Al Jazeera America”, “The Guardian”, “Svenska Dagbladet”, “Die Press” estão entre os clientes. O P3 apanha-o em La Paz, Bolívia, onde esteve a trabalhar num projecto sobre a emancipação das mulheres indígenas. Entretanto já regressou à Colômbia, onde está a documentar a realidade dos refugiados internos da guerra civil que em breve pode chegar ao fim. “Trabalho não me falta”, confessa o fotógrafo “freelancer” de 35 anos, que até hoje vendeu todos os projectos a que se dedicou. E só no início deste ano publicou pela primeira vez em Portugal (na revista “E” do “Expresso”).

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Eduardo Leal Sophie Göst

Licenciado em Jornalismo, saiu de Portugal há 12 anos. Fez “vida de mochileiro” (“Queria dedicar-me ao fotojornalismo mas antes precisava de ver o mundo"), até que assentou em Londres, onde concluiu o mestrado em fotojornalismo documental na London College of Communication. Trabalhou com a Fundação Arpad A. Busson, que acabaria por ser o seu passaporte para a América do Sul, levando-o indirectamente a acompanhar a situação na Venezuela nos últimos anos. Os seus projectos de autor estão relacionados com o meio ambiente — é disso exemplo “Plastic Trees”, distinguido no Sony World Photography Awards e no Estação Imagem — mas também com questões de género. Faz parte da “geração do tudo ou nada”, que até pode “arriscar mais”, mas que também foi beneficiada pela facilidade em viajar e pela emergência da Internet. Há hoje, diz Eduardo Leal, “outra maneira de publicar”, algo explorado pelos fotógrafos de todo o mundo. Mas atenção: “Sempre houve talento em Portugal.”

José Sarmento Matos (Sintra, 1988)

Por estes dias, José Sarmento Matos está em Mumbai de câmara em punho. Levou-o o seu mais recente projecto, “How can I help you?”, em que vai documentar a realidade dos “call centers” em 15 países. “Quero criar a consciência de um trabalho que é mal considerado do ponto de vista social, mas do ponto de vista económico é dos que mais pessoas emprega no mundo”, conta ao P3. Dentro de um ano e meio, dará o projecto por encerrado. “Se tudo correr bem”, repete. Isto porque o jovem fotógrafo “freelancer” não conta com apoios externos. “Não acredito que porque não há dinheiro não existe trabalho. Interessa-me investir nos meus projectos. É um risco, mas se não se arrisca não saímos do sítio”. O que, diz, também é sintomático de uma geração de fotojornalistas que viu na crise da imprensa uma “oportunidade”. Deste projecto, resultarão um livro, exposições, publicações em “jornais grandes” — não descarta a hipótese de vender parte da série, antes da sua conclusão, para conseguir financiar a viagem.

Com 27 anos, José está estabelecido em Londres. Começou a sua carreira no PÚBLICO, onde estagiou como fotógrafo em 2013. Um ano depois, participou no projecto global “Sea Change”, em que 13 fotógrafos documentaram a actualidade da juventude europeia. Em 2015, concluiu o mestrado em fotojornalismo documental na London College of Communication, onde tem dado algumas aulas. No mesmo ano, venceu, tal como Mário Cruz, o concurso “30 Under 30” da agência Magnum Photo com a reportagem “O Virar da Página” sobre pessoas que sofreram crimes violentos (actualmente em exibição no Porto no espaço Atmosfera M). 

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José Sarmento Matos

Patrícia de Melo Moreira (Lisboa, 1983)

Há seis anos que Patrícia de Melo Moreira é colaboradora regular da agência France-Presse (AFP) em Portugal. O que significa várias coisas. Primeiro: as suas fotografias têm imensa visibilidade, o que já lhe abriu portas lá fora, por exemplo, no “New York Times”. Segundo: tem dias alucinantes, até porque conseguiu, ao longo do tempo, “impor” mais histórias sobre Portugal na AFP. Terceiro: ao contrário do que imaginava há alguns anos, cobre muitos jogos de futebol (“É um trabalho muito intenso, muito “na hora”, e que tem uma exposição muito grande porque as fotografias de futebol são das mais vendidas”). Quarto: tem muito pouco tempo para se dedicar a projectos pessoais. Mas vai acontecer.

“Tenho muitas ideias mas falta-me o foco”, admite a fotojornalista “freelancer”, de Lisboa. Lança algumas pistas. “Mais do que grandes temas”, prefere histórias com que estabeleça “intimidade” com o sujeito. E gostava de sair da sua “zona de conforto”, de fazer um projecto pessoal noutro país. Falta-lhe, quiçá, apaixonar-se por uma ideia, como o seu namorado, Mário Cruz, o mais recente WPP português, que também trabalha numa agência noticiosa, a Lusa, e que teve de tirar uma licença sem vencimento para concretizar “Talibés, Modern-day Slaves”. “Tem sido incrível acompanhá-lo. Ele sempre teve essa vontade de fazer os projectos dele, de pensar fora da caixa, para além da agenda da Lusa que é muito cansativa.” O prémio não a surpreendeu, até porque viu “in loco” as reacções ao trabalho em Perpignan. Nos últimos anos, frisa Patrícia, o festival de fotojornalismo tem tido uma elevada participação, o que, na sua opinião, também é sintomático de uma nova realidade da área: “A precariedade faz com que as pessoas se mexam mais a nível individual e não esperem pelos jornais. Vão à luta.”

Lara Jacinto (Leiria, 1982)

Ser “freelancer”, começa Lara Jacinto, é “muito giro”, mas na prática “há meses muito difíceis”. “Temos de criar uma base de trabalho que nos ajude a produzir outras coisas que não são financiadas à partida.” Por isso, a fotógrafa, a viver no Porto, faz “carradas de coisas”. Colabora com a imprensa através da nFactos, faz fotografia de arquitectura, acompanhando o atelier Skrei, trabalha com a produtora Lightbox, dedica-se “ao que vai aparecendo”. Paralelamente, a vencedora do prémio Novo Talento FNAC Fotografia de 2011 desenvolve os seus trabalhos documentais. Participou no 12.12.12. e no Projecto Troika e agora, ao lado de Miguel Proença, António Pedrosa e Tommaso Rada, integra o Colectivo, plataforma que se dedica à fotografia documental e que já está nas bocas do mundo. “The Thin Line”, o mais recente projecto que reflecte sobre as fronteiras europeias, conseguiu uma bolsa da VSCO que vai ajudar a financiar todas as viagens (Lara parte em Maio para o sul da Europa) e chamou a atenção da CNN Photos, que publicou o primeiro capítulo da série. Daqui, em princípio, sairá um “bom livro” e exposições.

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Patrícia de Melo Moreira

Estando “assoberbada” pelo Colectivo, ainda não conseguiu arrancar com algumas reportagens, nomeadamente uma sobre anorexia masculina. Nunca conseguiu viver apenas do fotojornalismo e, hoje em dia, também não pode simplesmente arriscar, partir, viver na corda bamba, fazer um “investimento brutal”: “Tenho pessoas a depender de mim, tenho uma filha”. Em Portugal, diz, é “difícil” haver espaço para a fotografia e para grandes histórias, mas “há pessoas que querem consumir”. E prémios como o WPP de Mário Cruz são “um abre-olhos”. “Pode ser um alerta para os editores perceberem que estão a perder boas histórias. Se calhar, há outros trabalhos que são apresentados cá, que aqui não têm hipóteses, mas que lá fora encontram espaço.”

Pepe Brix (Santa Maria, 1984)

Pepe Brix não é aventureiro. “A aventura surge se partirmos do princípio que nem sempre as melhores histórias estão ao nosso alcance.” Desde 2009 que o fotógrafo açoriano se desdobra em grandes viagens. No ano passado, passou dois meses em cima de uma moto com o projecto “Lisboa-Pequim-Lisboa”, em que acompanhou a expedição de três portugueses pelo mundo (brevemente em exposição). Um ano antes, embarcara no bacalhoeiro Joana Princesa, numa campanha de três meses e meio nos mares da Terra Nova, documentando a vida a bordo dos navios portugueses de pesca longínqua. Esse projecto, “Código Postal: A2053N”, acabaria por ser publicado em Janeiro de 2015 na “National Geographic Portugal”. Daí resultou também uma exposição que correu o país e o mundo (segue este ano para Itália e França) e o livro “Os Últimos Heróis”, em resposta a um desafio da Riberalves. “Não é aventura, é querer trabalhar. Sair da área de conforto e arriscar um bocadinho.”

A fotografia corre-lhe nas veias. Os avós eram artistas de circo. Cansados da vida deambulante, assentaram arraiais nos Açores, onde o avô começou a fazer fotografia “à la minuta”. Com o passar do tempo, abriu um estúdio, Foto Pepe, que passou do avô para pai e do pai para Pepe. Concilia essa actividade com o fotojornalismo. Geralmente, tem um a dois grandes projectos por ano — conta com o apoio da Câmara Municipal de Vila do Porto, mas no fundo uns trabalhos financiam os outros. Agora, está na Islândia a documentar uma outra realidade da pesca do bacalhau. Em breve, a propósito da situação actual da base das Lajes, quer documentar a influência norte-americana nos Açores. Gosta de histórias que estão por contar e de abordar as questões de uma forma “mais profunda”. É, diz, uma característica dos açorianos, mais “nostálgicos”, mais “sensíveis”, com mais espaço para reflexão. “Acho que tenho essa componente ilhéu em mim.”

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Lara Jacinto Afonso Borges
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Pepe Brix Rita Carmo
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