Linchamentos nas redes sociais

Se ser pai ou mãe adoptiva é um laço menor, questionável e quebrável, para que serve a adopção?

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Na semana passada, no Brasil, um casal branco saiu à rua, com o seu filho adoptivopara festejar o Carnaval. Escolheram fantasias da Disney: Aladdin (pai), Jasmine (mãe) e Abu (filho). Detalhe crucial para a história aqui contada: Abu é um macaco. Sem dúvida, um grosseiro erro de "casting". Porquê? Sendo o filho negro e as pessoas negras negativamente associadas a macacos, a criança estaria sujeita a ataques racistas. As fotos da família circularam pelas redes sociais e, muito rapidamente, surgiu uma onda de indignação. O tsunami do ultraje correu as redes sociais brasileiras, portuguesas e estado-unidenses.

A parte denunciante que gritou por justiça, além do racismo, acrescentou desonra e reclamou que o casal não tinha o direito de ser a família desta criança; falou-se até em castigos corporais, escravatura e agressões sexuais como punição. Pediu-se sangue. Assim, nas redes sociais estavam reunidas as seguintes funções: a de júri, de juíz e de carrasco. Não existiu defesa, só acusação, e esta funcionou como um "arcade game" de combate estilo "Street Figther": basta carregar nos botões todos ao mesmo tempo, ininterruptamente, até o adversário cair. A diferença é que o adversário aqui é real, esta família sangra e anda mesmo pelas ruas. Se tudo começou pela maneira como decidiram sair à rua, o assédio que se deu a seguir poderá não ter ajudado. Os bonecos ganharam vida. De repente, viram-se como Aladdin e Jasmine e tornaram-se numa família fora-da-lei, da qual a criança continua a fazer parte não obstante as vozes dissonantes.

Se basta um clique para destruir uma família, o mesmo clique, mas noutra direcção, pode fazer a diferença. As pessoas que julgaram e sentenciaram esta família não pesaram as eventuais consequências na vida da criança em questão. A foto do menino circulou e a sua família não se eclipsou. Este casal tem o desejo de voltar a adoptar. Que agravantes terão nas suas vidas futuras? Presente já teve. Saíram para festejar o Carnaval e descobriram que era Halloween.

É óbvio que todas as pessoas que têm crianças a seu cargo com origens diferentes das suas devem aprender e transmitir as suas histórias e protegê-las de quaisquer discriminações a elas associadas. Contudo, isto deixa de ser óbvio quando os pais ou guardiões nunca vivenciaram tais discriminações. Afinal, racismo é ignorância. Se ser pai ou mãe adoptiva é um laço menor, questionável e quebrável, para que serve a adopção?

Linchamentos nas redes sociais são excesso de zelo e tornam-se a soma de "gostos" e de "partilhas". E de vidas revolvidas. O que se segue? Programas forçados de reabilitação e reconversão parental e cultural? “Aquela não é a tua família. Somos nós.” Bem, já existem. Activismo não é estar em cima do acontecimento como um "paparazzo" ou um capanga. É estar atento para sensibilizar, esclarecer, debater, argumentar, principalmente quando está uma família em jogo. Faça-se a desconstrução do que é negativo, mas com a condição de reconstruir em conjunto bases sólidas e positivas. Exterminar e esterilizar? Já há quem o faça e a tempo inteiro.

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