Love: o amor é lixado, mas não precisamos dele?

Netflix estreia nesta sexta-feira os dez episódios da série criada por Judd Apatow, Lesley Arfin e Paul Rust. Uma história sobre o amor que não é bem uma história de amor. Falámos com o realizador.

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A série é protagonizada por Gus (Paul Rust) e Mickey (Gillian Jacobs) Netflix

Love. Um título tão vasto como qualquer relação humana O amor no século XXI, o amor em 2016. Love, a série que o Netflix estreia nesta sexta-feira, não é uma história de amor, é mais uma história sobre nós. Ou sobre aqueles que vêem nos 30 anos a responsabilidade de não chegar aos 40 bem estabelecidos, digamos assim. São dez episódios de pouco mais de 30 minutos cada. Assinam Judd Apatow, Lesley Arfin e Paul Rust – ele também protagonista.

Se há território que não é desconhecido ao realizador norte-americano Judd Apatow é o dos relacionamentos. E, já agora, o do amor: como o encontrar, como o manter, como o destruir. Já vimos tudo isto em Descarrilada, Um Azar do Caraças, Virgem aos 40 Anos ou Gente Gira. Está nos seus filmes. Não é por isso de estranhar que o grande projecto de Apatow para este ano seja Love, uma série encomendada pelo Netflix, que ainda nem tinha visto o episódio piloto e já garantia uma segunda temporada.

“É uma oportunidade que nunca tive antes”, diz-nos Judd Apatow numa conversa telefónica com mais três jornalistas europeus. “Escrevemos o argumento, demos-lho e eles comprometeram-se logo”, continua, argumentando que “este tipo de confiança” é difícil de encontrar. “Eles têm uma filosofia diferente da dos canais de televisão”, explica  tal como costuma acontecer, o serviço de streaming disponibilizará de uma assentada os dez episódios. “Não são intrusivos, querem que sejamos ousados e criativos, e isso encorajou-nos a fazer algo especial.”

Não é por acaso que a conversa com Apatow começa assim. É que há muito tempo que o realizador desejava explorar a história de um casal para lá de um filme. Ter dez horas para contar uma história não se compara àquilo que pode fazer num filme, defende. Ainda mais quando se trata de representar a vida, que hoje pode correr tão bem e amanhã tão mal. “Sempre tive curiosidade em saber o que acontece às personagens quando um filme termina. Como é que as coisas correram, será que acabaram, será que continuam juntos? E, por isso, esta série é uma oportunidade para explorar uma relação durante um período maior de tempo”, diz, em resposta ao PÚBLICO.

Se à partida o título nos parece levar para a habitual comédia romântica em que os opostos se atraem, Love, protagonizada por Gus (Paul Rust) e Mickey (Gillian Jacobs) é mais complexa do que isso. Gus é o geek simpático, quase à procura da normalidade que os 30 anos lhe impõem; Mickey é o caos em pessoa, não só problemática como desleixada, numa luta constante contra o vício da erva. A química entre os dois nem sequer é clara. Como não é claro que os dois fiquem juntos, até porque em 2017 há uma segunda temporada. “Eles querem estar bem, ser saudáveis, mas têm sempre umas raízes que fazem com que seja difícil estar numa relação”, aponta Apatow.

Quando lhe perguntamos se há alguma relação, tendo em conta as características das personagens, entre este casal e aquele protagonizado por Katherine Heigl e Seth Rogen em Um Azar do Caraças, o realizador responde: “Terminei o filme num momento de esperança, mas isso não significa que eles não tenham acabado logo a seguir. Para mim Love foi uma oportunidade de mostrar o que acontece a este casal no dia a seguir."

Para contar esta história, o realizador chamou para o projecto o casal Lesley Arfin e Paul Rust. Ele um comediante e actor, ela com uma carreira tímida, na qual se destaca uma passagem pela primeira temporada de Girls (como actriz e argumentista) – série que também não é estranha a Apatow, afinal é um dos produtores e também um dos argumentistas.

“A minha mulher [a actriz Leslie Mann] encorajou-me a fazer um trabalho forte e tridimensional com personagens femininas. Em algum momento tive consciência de que os argumentos eram muito fracos no que às personagens femininas diz respeito”, explica o realizador. “Tenho tido a sorte de encontrar pessoas com quem colaborar, desde a minha mulher até Lena Dunham, Amy Schumer, Katherine Heigl, Lesley Arfin, com quem criei a série”, continua. “Adoro trabalhar com mulheres criativas.”

Ainda em Janeiro, Judd Apatow criticou a indústria, que tem discutido a questão da diversidade, depois de Amy Schumer não ter conquistado o Globo de Ouro para o qual estava nomeada (Melhor Actriz de Comédia, pelo seu papel em Descarrilada) nem ter sido nomeada para os Óscares. Na altura, o realizador condenava o facto de a comédia não ser vista com seriedade e destacava o exemplo de Perdido em Marte, filme de Ridley Scott que foi nomeado para os Globos de Ouro na categoria – prémio que conquistou. “Os criadores e os actores fazem escolhas difíceis para fazer humor e muito desse trabalho é invisível”, começa por dizer ao PÚBLICO sobre o tema.

“Eu sinto que as pessoas vêem mais comédia do que drama. Seja qual for o drama que gostes de ver, eu garanto que não voltarás a vê-lo para o resto da vida, mesmo que seja o teu favorito; talvez em 15 anos o vejas uma segunda vez. Mas a tua comédia favorita estás sempre a ver”, afirma, defendendo que os prémios não são mais importantes do que o facto de saber que as pessoas vêem os filmes. “O que não faz sentido é quando as pessoas põem os seus filmes na categoria de comédia, quando claramente não são comédia, só porque querem ganhar prémios. Já é tão difícil a comédia ganhar prémios e agora querem pegar nos prémios da comédia para os dar a dramas. Isso é ridículo, mas também diria que não é importante, não interessa mesmo nada. É só um aspecto bizarro do show business.”

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