Work4u fechou portas. Caso deve seguir para o Ministério Público

Depois das primeiras diligências da ACT, proprietários decidiram encerrar a actividade da Work4u. Mas esta “marca” é apenas a fachada de um negócio com “fortes indícios de fraude” envolvendo cursos duvidosos e recurso ilegal a estagiários.

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“Receba sem compromisso um estagiário durante dois dias. Experimente grátis", dizia anúncio da Work4u Luís Octávio Costa

Foi encerrada toda a actividade da Work4u – Gestão de Carreiras, a “marca” que andou nas bocas do mundo depois de, há pouco mais de uma semana, ter colocado no Facebook um anúncio que gerou revolta. “Receba sem compromisso um estagiário durante dois dias. Experimente grátis", escrevia. Mas afinal, o que era a Work4u e que ilegalidades e irregularidades esconde? A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) está a investigar e admite a existência de “fortes indícios de fraude”. O caso deverá seguir para o Ministério Público.

A Work4u pertence ao empresário Jorge Abel dos Santos, proprietário das empresas Lontra – Agência de Marketing e Publicidade para Formação e EFIB – Escola de Formação Ibérica e ainda da Associação Portuguesa de Medicina Tradicional Dragão Dourado. Para a actividade da “marca” Work4u não há qualquer enquadramento legal, explicou o advogado Carlos Monteiro Ribeiro: “Será aquilo que no direito comercial se designa por sociedade irregular”.

Com pouco mais de um ano de existência, as empresas, com sede nos Açores — onde “o regime fiscal é mais favorável — actuam como um “grupo” familiar. Mas a teia é complexa. Tanto quanto o PÚBLICO conseguiu apurar junto de ex-trabalhadores e outras fontes conhecedoras do quotidiano das empresas, terá começado com a criação da Escola Dragão Dourado, marca registada em 2014 como Associação Portuguesa de Medicina Tradicional Dragão Dourado, propriedade de Jorge dos Santos, da esposa Ana Raquel dos Santos e de Natália dos Santos Horta. Antes de ser registada como associação, a escola já existia e os pagamentos seriam feitos para a conta pessoal do empresário ou em numerário. Os alunos desta escola de terapias não convencionais foram entretanto “herdados” pela Ibérica, entidade não certificada pela Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT). De acordo com dados enviados por uma ex-funcionária à plataforma Ganhem Vergonha, que denunciou o caso em primeira mão, as facturas da escola continuaram, pelo menos até Janeiro deste ano, a ser passadas pela associação (ficando dessa forma isentas de IVA). Já a Work4u terá começado a actuar pelo Verão de 2015 e foi constituída como “marca” da empresa Lontra. Todas funcionam nas mesmas instalações e em rede.

O recrutamento de estagiários como mão-de-obra será anterior à criação da Work4u e era feita pela Ibérica para usufruto próprio, relata um ex-funcionária. Com a criação da Work4u, terão expandido a actividade a outras empresas, a quem cobrariam por aquilo que consideram ser um “serviço de consultadoria”. Por que valores fazia esse serviço para as empresas, quanto cobrava aos estagiários e que remuneração teriam estes garantida? Os empresários não responderam a estas e outras perguntas enviadas pelo PÚBLICO.

Chamemos-lhe Joana. Estávamos em Abril do ano passado quando foi recrutada pela Ibérica. Com ela, entraram mais uns 40 estagiários. Sem contrato de trabalho, sem contrato de estágio. Trabalhavam em troca de um dos cursos ministrados num dos dois pólos da empresa em Lisboa. “Havia estagiários para tudo, desde a secretária até as limpezas”, denuncia num e-mail enviado ao PÚBLICO. Estes “estagiários” iam permanecendo com a “ilusão” de que, pelo menos, ficariam com um curso certificado — mas nem isso acontecia já que a escola não tem autorização da DGERT para actuar.

A polémica sobre a actuação da Work4u estalou no dia 5 de Fevereiro, quando a Ganhem Vergonha divulgou um anúncio colocado pela “marca” na página do Facebook, entretanto desactivada. O caso despertou a atenção dos Precários Inflexíveis, que fizeram chegar queixas à ACT e à Procuradoria Geral da República por considerar estar perante um caso de “tráfico de mão-de-obra”, explicou João Camargo. Os deputados José Soeiro e Isabel Pires, do BE, e Rita Rato e Diana Ferreira, do PCP, já enviaram perguntas formais ao ministro Vieira da Silva e levaram o caso à Comissão de Trabalho da passada sexta-feira. E até o humorista Ricardo Araújo Pereira fez questão de escrever sobre o caso na revista Visão.

O negócio não estará a correr sobre rodas ao casal açoriano. No primeiro dia do ano, a Ibérica foi colocada à venda ou para trespasse, como se vê num anúncio online. Sobre esta empresa estava já aberto um processo inspectivo, desde 13 de Janeiro por falta de “pagamento de remuneração legal”, apurou o PÚBLICO.  

O caso Work4u deverá acabar por fugir ao âmbito de intervenção da ACT. Mas a autoridade fez, ainda durante a semana passada, uma primeira visita inspectiva “não conclusiva” às instalações da Work4u, uma segunda acção na tarde de segunda-feira e terá ainda o caso em aberto.

Está inaugurado “um novo capítulo da desregulamentação laboral”, escreveram os Precários Inflexíveis. Em Portugal, “um em cada quatro postos de trabalho criados corresponde a um estágio” — e a porta a casos como o da Work4u, que sobrevivem com “recurso à massificação dos estágios”, foi aberta pelo próprio Estado, acusam. Será esta “marca” um caso isolado ou apenas a ponta de um icebergue de um novo “negócio” à volta dos estágios? A isso ainda ninguém sabe responder. Ver mais em P3

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