Um mundo mais próximo

É verdade que o mundo está mais perigoso. Mas ele está também mais próximo.

Anteontem à noite assistia em direto, através da internet, a um discurso de Bernie Sanders nos EUA, e pensava: o nosso grande problema é não conseguirmos sentir quão extraordinária é a época em que vivemos.

Os efeitos da grande crise de 2008 ainda nos empurram para baixo, na América, na Europa e alhures. Há milhões de jovens desempregados, milhões de famílias endividadas até ao tutano, mais milhões ainda de cidadãos confundidos por uma política demagógica e egoísta. Como pano de fundo, o terrorismo assusta todos os que restam e as guerras fazem fugir os mais vulneráveis entre os vulneráveis — os refugiados.  Se tudo não nos deprimisse tanto, conseguiríamos maravilhar-nos diante de um mundo onde a informação corre cada vez mais rápido e as possibilidades de diálogo entre populações diferentes são cada vez maiores.

A humanidade está mais integrada e interdependente do que nunca. E mesmo os fatores que nos distraem dessa grande tendência servem no fundo para a corroborar — porque nos distraem a todos ao mesmo tempo e, por vezes, de formas semelhantes.

A tecnologia é parte desta história: é possível seguir um comício a um oceano de distância, com perfeita qualidade técnica apesar de ele não estar a ser transmitido por nenhuma televisão, e comentar nas redes sociais o que se está a passar, com pessoas de todo o mundo que têm ou não interesse direto no que se está a passar.

Mais do que a tecnologia, é a cultura e a política que fazem o resto do trabalho. Há oito anos era para admirar que um homem negro pudesse ser levado a sério como candidato a presidente dos EUA. Hoje é bem mais do que isso: quem deve ser levado a sério para a Casa Branca é agora um homem socialista, judeu e não-religioso, de cabelo branco escasso e pouco telegénico, com discursos longos, substantivos e pensados para serem pensados — e não forçosamente televisionados. Uma dessas características apenas seria suficiente para o desqualificar nos últimos quarenta anos. Em 2016 ele vai mais longe do que se imaginaria.

Com Bernie Sanders, contudo, acontece algo ainda mais surpreendente. Uma, duas, três e mais vezes ele diz aos seus concidadãos que não há problemas em tornar os EUA mais parecidos com outros países, se isso for pelo bem comum: a sua política de saúde baseia-se na Grã-Bretanha e no Canadá, a isenção de propinas na universidade vem da Alemanha, a segurança social da Escandinávia. Qualquer candidato à Casa Branca sentia-se até hoje forçado a dizer que os EUA são o maior país do mundo e que não têm nada a aprender com ninguém. Bernie Sanders não mente aos seus concidadãos, não os bajula nem engana: os EUA são um país que, como qualquer país, tem tudo a aprender com os outros. Isto, ali, é revolucionário.

A mensagem de Sanders tem uma sinceridade e uma coerência que, ao respeitar as pessoas que a ouvem, lhes dá poder. Também nós na Europa temos a aprender com ela: que só um movimento cidadão de milhões de pessoas pode mudar o rumo da política num país-continente como os EUA ou num continente-união como a Europa. O mesmo se pode dizer de outras paragens.

É verdade que o mundo está mais perigoso. Mas ele está também mais próximo. Essa é a nossa melhor esperança.

 

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