Por medo, realismo ou convicção?

A nossa actual paisagem mediática é tendencialmente depressiva.

Há muito tempo que não tenho notícia de resultados do Observatório da Imprensa Nacional. Que ideia fazem os portugueses da imprensa que têm? Que qualidades de isenção, independência, rigor deontológico lhes atribuem? Mas, numa permissividade que o ilimitado reino da opinião permite, parece-me bastante claro que a opinião negativa, temerosa, destrutiva que sobre a situação económica e financeira de Portugal ganha lugar primacial. Aqui, nem se pode dizer que há lugar a nacionalismos bacocos, como acontece em tantos outros campos de análise. Na sua grande maioria, jornalistas portugueses e a enorme constelação de comentadores com lugares ou colunas reservadas “vendem”, por estes dias, a imagem mais temerosa que desta nossa situação económica e financeira se pode ter. E sabe-se como neste domínio a má imagem que a comunicação social tende a formar é determinante para os sentimentos inculcados na opinião pública. (Por exemplo, conseguiram infundir na generalidade dos portugueses que este Orçamento é uma mentira pegada.)

Ora, obviamente, que a nossa situação é de crise e de estado periclitante. Muito especialmente pelo “garrote” que as instituições internacionais todos os dias dão mais um aperto para tentar a asfixia de um governo, pouco submisso, que tanto os inquieta. Os seus porta-vozes oficiais, com dedicados serventuários dentro das nossas portas, não se cansam de espalhar a temeridade da situação. E isto por três principais razões: o receio de que a dívida enorme que temos não seja paga; por perder-se o fictício “postal ilustrado” do país que foi considerado um caso exemplar na aplicação das receitas da austeridade; pela irritação permanente que causa aos actuais senhores formatadores de uma Europa completamente diferente dos tempos daquela sonhada pelos seus fundadores de que este Governo português esteja suportado por três partidos de esquerda: BE, PCP e Verdes.

Dentro deste contexto, para quem defende a exigência de uma conduta ética de jornalismo positivo, não se trata de vir pedir ou fazer qualquer apologia de seguir procedimentos que tentem “dourar a pílula” ou derivar por caminhos que pintem com cores claras um fundo tão carregado de negro. Todavia, julgo coerente e pertinente que defender a prática de um jornalismo isento e sem alinhamentos tão encostados aos corredores e pareceres que mais favorecem o poder vigente numa Europa que “periga” pela sua desintegração, mas, de momento, apenas se está a lixar para que Portugal e os portugueses paguem, seja lá em que condições for, a dívida e não fujam do receituário único estabelecido. Foi notório o sucessivo alarme com que a grande maioria de jornalistas e comentadores “avisaram” do eventual chumbo da Comissão sobre o Orçamento português. Foram constantes as inquietantes notícias que transmitiam, a toda a hora, os press-releases das agências de rating, e aliás das próprias instituições nacionais, conforme os ventos, prestimosas “zeladoras” das nossas contas (excepto as bancárias) que, efectivamente, não diferiram muito. Bastante pálida uma réstia de sol e esperança sobre as possíveis e eventuais conjecturas políticas que poderiam pesar num subconsciente dos burocratas da Comissão. Estes, sempre alertados pelos portugueses de maior timbre de cariz político da actual cartilha que por lá andam. A Europa neste momento tem problemas que baste. Mas é incrível como os grossos problemas com que toda a Europa e mais propriamente a CE se deparam, comentadores e jornalistas pouca atenção lhes dêem. A dramática situação da migração que está a levar uma Europa para negação de valores integrantes do seu projecto civilizacional e cultural,  e de possíveis conflitos de rua, a ameaça da eventual saída da Grã-Bretanha, os desaforos de cumprimentos de regras por países deste espaço, os “arrufos” incontroláveis pelos senhores europeus por parte da Itália, Espanha e França, a ameaçadora crise de bancos internacionais e em especial dos nacionais, as crises a prometer fortes arrastões dos outros por parte dos países emergentes, são temas de secundaríssima importância nos media portugueses. Evidentemente, há excepções. Mas são uma franca e quase desapercebida minoria. A nossa actual paisagem mediática é tendencialmente depressiva.

Tal constatação leva-me a reflectir sobre quais os factores que podem levar a este comportamento.

Por isso, imagino (reconhecendo o arrojo) três factores: medo, realismo exagerado e sem atenuantes, firme convicção ideológica.

1. Por medo: se analisarmos por registo verificável a situação de crise financeira e económica da grande maioria dos nossos meios de comunicação, é débil e francamente dependente da banca, ou de grupos económicos que não vão nestes instrumentos mediáticos buscar negócio lucrativo, mas apenas espaço de força de opinião; ou então estão dependentes de alguns mecenas ou empresários de antiga boa cepa democrática que ainda descortinam num órgão de informação um excelente cartão de visita para o seu grupo empresarial. Neste caso, o posicionamento mais seguro do lado dos profissionais dependentes é defender ou afastar para o mais longe possível os danos da falta de uma maturidade salarial que esfrangalhará num ápice a estrutura comercial em que tais empresas assentam. O desemprego à vista não é um espantalho. É um pânico terrível e de compreensível propagador de sentimento de medo.

2. Por realismo exagerado: as plataformas mediáticas andam, de há meia dúzia de anos para cá, coincidentemente com a crise, pulverizadas de jornalistas e comentadores encartados de formação económica. Estes olham para as folhas de cálculo, fazem as contas e fidelíssimos ao princípio de que números são números são incapazes de outra qualquer leitura alternativa ou mesclada de outras variáveis, por exemplo, políticas ou sociais. Contas são contas, números são números. Ou se voltassem, por vezes, a ler Einstein!

3. Por firme convicção ideológica: são aqueles que não cedem às suas convicções ideológicas e não acreditam que este Governo português montado na tal dita geringonça subsista ou traga algo de novo e bom ao país. Para eles, isso só um governo de direita ou centro-direita pode garantir. E, portanto, por legítima militância e fidelidade à sua interiorizada ideologia, o melhor é fazer todo um discurso tendente a provocar um rápido colapso fatal.

Evidentemente que a maior aberração que poderia fazer submergir a razão de ser de um provedor era, por meios directos ou subterfugiosos, esgrimir contra a liberdade de opinião e o pluralismo ideológico que devem ser garantidos aos profissionais de informação, sejam eles jornalistas ou comentadores contratados. Porém, é indispensável não esquecer que a liberdade de opinião não pode exumar a prática de uma etica, fundamento de uma actividade jornalística séria, isenta e independente. A esta não podem escapar os propagadores das ideologias dominantes ou alternativas ou minoritárias. Mas, provavelmente, a actual caracterização da ideologia mais propalada pela constelação dos nossos profissionais de informação tem até mais a ver com os medos que um tempo tão dilacerante moral, ética e filosoficamente, transporta aos mais elementares actos de uma qualquer actividade pública.

 

Nota sobre certo rigor (?) em jornalismo

Não percebo o rigor jornalístico que de cada vez que dá notícias ao eventual envolvimento de Paulo Santana Lopes no caso da Operação Rota do Atlântico tem de fazer referência que é irmão de Pedro Santana Lopes. Ainda bem, e com isso me congratulo, que o PÚBLICO baniu essa prática.

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