Síria, a guerra que a Rússia desbloqueou

A campanha aérea de Moscovo a favor de Assad alterou fundamentalmente o rumo do conflito. O regime estava em apuros há menos de um ano. Agora vence lentamente a guerra.

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Bomba de estilhaços por explodir em Deraa, no Sul, junto à fronteira com a Jordânia. Alaa Al-Faqir/Reuters

No momento de defender a estratégia de relativa inacção em relação ao conflito sírio, a justificação mais utilizada por diplomatas e chefes de Estado no mundo ocidental foi dizer que “não existe uma solução militar para a guerra”. Os últimos dois anos de conflito estagnado pareciam comprová-lo.

À excepção das movimentações do grupo Estado Islâmico e dos seus inimigos curdos, no Norte, não se assistia a avanços capazes de alterar o rumo da guerra. A escolher algum protagonista em risco, aliás, esse seria até ao último Verão o próprio exército sírio, que, exausto, sem recursos e dezenas de milhares de soldados desertados, amontoava derrotas no Oeste às mãos de alianças de rebeldes fundamentalistas, jihadistas e moderados. As milícias xiitas comandadas pelo Irão pareciam não bastar para conter a degradação das forças de Bashar al-Assad.

Insistir no chavão de que a guerra não poderia ser vencida por nenhum dos lados permitiu reforçar a ideia de que o único desfecho possível seria negociar um cessar-fogo entre aliados do regime sírio e a tíbia oposição moderada no exílio, mesmo que já praticamente irrelevante no terreno. Assad, esse, teria necessariamente de abandonar o poder. O núcleo da estratégia ocidental não se alterou quando a Rússia começou a sua campanha aérea a pedido do regime sírio.

Tornou-se evidente desde o início que a prioridade dos bombardeamentos russos era aliviar a pressão dos opositores sobre as tropas governamentais, e não tanto a destruição do Estado Islâmico que anunciava o Kremlin. Aos olhos ocidentais, o máximo que a Rússia parecia ter conseguido com isso foi adiar o afastamento de Assad para um momento de transição política. A destruição amontoava-se em zonas dominadas por rebeldes, mas o andamento da guerra não se alterara: “Ataques aéreos da Rússia na Síria revelam-se fúteis com o fraco avanço no terreno”, escrevia o influente diário britânico Guardian no final de Dezembro.

A frase favorita nos Estados Unidos e aliados mudou nos últimos meses. Dias antes do encontro de quinta-feira em Munique em que se acordou a “cessação das hostilidades em todo o país no prazo de uma semana”, o secretário de Estado norte-americano voltava atrás com a ideia de que nenhum lado é capaz de vencer a guerra. Os ataques das forças leais ao regime e bombardeamentos russos, escreveu John Kerry num comunicado, “mostram o intuito de procurar uma solução militar no lugar de uma política”.

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Afinal, a solução armada existe. “Só não é a nossa”, admitiu esta semana um alto-responsável norte-americano ao New York Times. O Ocidente parece aceitar agora que a intervenção militar da Rússia alterou fundamentalmente o rumo da guerra na Síria a favor de Assad e seus aliados, que agora podem entrar num – ainda incerto – período de trégua com trunfos territoriais que há meio ano pareciam impensáveis.

Alepo
Exército sírio e milícias xiitas estão prestes a cercar por completo a segunda maior cidade síria e aquele que nos últimos dois anos foi o grande bastião da oposição e a sua frente mais importante de batalha com o Estado Islâmico e o regime. Assad tentou fazê-lo há um ano, mas falhou desastrosamente. Os incessantes bombardeamentos russos – os rebeldes contam 25 por dia, só no centro da cidade – e os cerca de 2000 combatentes xiitas enviados pelo Irão permitiram fazer agora o que o Governo não conseguiu antes.

Os opositores perderam já as cruciais linhas de abastecimento com a Turquia e arriscam-se a perder nos próximos dias o acesso a reforços e mantimentos de Idlib, a Oeste. Estes têm chegado sobretudo sob a forma de batalhões da Frente al-Nusra – o satélite da Al-Qaeda na Síria, hoje a força dominante em Alepo – e combatentes extremistas da Ahrar al-Sham. Mas a barragem aérea russa, para além das novas armas dadas ao exército sírio – como os avançados tanques russos T-90 – parecem ser determinantes. A Nordeste, o regime pressiona o território do Estado Islâmico, a quem conseguiu reconquistar a importante base aérea de Kuweires (ou Rasin el-Aboud).

Latakia
A grande prioridade do regime antes da ofensiva a Alepo, Latakia é a região onde se concentra o apoio a Assad fora de Damasco – de maioria alauita, a mesma confissão do Presidente sírio – e o centro das operações militares da Rússia. A intervenção de Moscovo permitiu travar os avanços da Frente al-Nusra e outras facções rebeldes que ameaçavam a população local e a segurança política do regime – ao ponto de provocarem protestos contra o Governo.

Hoje é o exército sírio quem está na ofensiva. Em Janeiro capturou Salma, uma importante base militar em grande altitude que serve agora de apoio a novas conquistas sobre Idlib, onde a oposição tem grande parte do seu território. “Estes avanços ameaçam expulsar toda a oposição em aberto de Latakia nos próximos meses”, segundo escreve o think-tank Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla inglês), um dos observadores mais atentos do conflito sírio.

Damasco e Homs

Regiões de importantes cercos a posições rebeldes, intensificados nas últimas semanas com mais isolamento e novos e mais frequentes bombardeamentos – as Nações Unidas assinalam três prioridades humanitárias em zonas não controladas pelo regime só nos arredores da capital. O sucesso de Assad e aliados nestas zonas tem sido sobretudo político: consolidou poder sobre as populações sitiadas com cessar-fogos locais que reduziram a influência política as várias células rebeldes. A morte de Zahran Alloush, em Janeiro, foi um duro golpe para as forças oposicionistas nos subúrbios de Damasco. 

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