Arrependido do caso Nóos confirma acusações contra cunhado do rei de Espanha

Infanta Cristina de Borbón regressou a Palma de Maiorca para o julgamento por corrupção no qual é arguida, juntamente com o marido.

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Cristina de Borbón e I^naki Urdangarin não prestaram declarações à chegada ao tribunal REUTERS/Enrique Calvo

O julgamento do caso Nóos, no âmbito do qual Cristina de Borbón, irmã do rei de Espanha, está acusada de cumplicidade em fraude fiscal, foi retomado esta manhã em Palma de Maiorca, com a audição do único “arrependido” do processo, José Luis Pepote Ballester, que confirmou a culpa do marido da infanta, Iñaki Urdangarin e do seu sócio num esquema de corrupção que lesou o erário público espanhol em mais de seis milhões de euros.

O depoimento de Ballester, antigo campeão olímpico de vela e ex-director geral de Desporto do governo autónomo das Ilhas Baleares, sustentou as queixas contra Iñaki Urdangarin e Diego Torres, sócios do Instituto Nóos para a promoção da prática desportiva e dinamização de projectos sociais. Segundo acusa a justiça espanhola, aquela fundação sem fins lucrativos servia como fachada num esquema de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais: os dois sócios desviavam fundos públicos e privados entregues ao Instituto Nóos em proveito próprio.

Pepote Ballester foi o primeiro a depôr em tribunal, na condição de arrependido: como explicou, decidiu colaborar com a justiça em troca de uma redução de pena, para salvaguardar a sua posição “perante as mentiras continuadas” dos restantes acusados. No desempenho das suas funções no governo autónomo, Ballester disse ter recebido instruções para celebrar contratos com o Instituto de Urdangarin e avançar pagamentos, sem colocar questões. “O objectivo era contratar Urdangarin e tudo o que viesse indicado por ele sem discutir o preço”, afirmou. “Todos sabíamos quais eram as directrizes e qual era a nossa função. Não havia dúvidas”, acrescentou.

Ballester afirmou ainda que as “directrizes” vinham directamente de Jaume Matas, um antigo ministro do Governo presidido pelo conservador José Maria Aznar, e que foi entre 2003 e 2007 o chefe do Govern das Baleares. Matas, que acaba de cumprir uma pena de prisão por um outro caso de corrupção, é um dos 17 arguidos envolvidos no mega-processo, que obrigou o tribunal a deslocar-se para o edifício da Escola Balear de Administração Pública.

O primeiro testemunho valida tese da acusação, que alega que o Instituto Nóos beneficiou de favorecimento em contratos inflacionados, celebrados com diversas entidades públicas como os governos autónomos de Maiorca, Valencia e Madrid, todos liderados pelo Partido Popular. As verbas entregues à fundação eram depois distribuídas, através de uma teia de facturação fictícia, por outras sociedades criadas por Urdangarin e Torres – entre elas, a empresa familiar Aizóon, que o cunhado do rei mantinha com a mulher, Cristina de Borbón, e utilizava para pagar despesas familiares.

Enquanto sócia da Aizóon, Cristina foi acusada de cooperar com o marido numa fraude fiscal, na qual o Estado terá sido burlado em mais de 300 mil euros. Se condenada, pode enfrentar uma pena de prisão até oito anos. Já Iñaki Urdangarin, contra quem pendem queixas de vários crimes graves (prevaricação, fraude fiscal, tráfico de influências, branqueamento de capitais), corre o risco de ser condenado a uma pena entre os 19 e os 26 anos de prisão.

De acordo com a imprensa espanhola, a infanta assistiu com ar “descontraído” ao interrogatório de Ballester, ao contrário do marido, que tomou várias notas das afirmações do seu antigo companheiro de delegação olímpica e amigo pessoal. Os dois estão obrigados a apresentar-se na fase de inquirição dos arguidos, que se prolonga pelas próximas três semanas. Cristina deverá ser interrogada pela primeira vez no dia 26 de Fevereiro – o seu nome foi o último a ser acrescentado na lista de arguidos.

Os advogados de Cristina de Borbón, mais velha do que o rei Felipe VI, tinham pedido que a queixa contra ela fosse arquivado ao abrigo da Doutrina Botín, que determina que uma pessoa que tenha cometido um delito fiscal não deve ser julgada se não houver uma acusação formal por parte do Estado.

A queixa contra Cristina foi feita no âmbito da investigação Mãos Limpas, e faz parte de um processo civil. O juiz anti-corrupção de Palma de Maiorca, Pedro Pedro Horrach, e o Ministério Público tinham pedido o arquivamento da queixa contra a infanta, que tinha a seu favor uma declaração da Autoridade Tributária, que considerou que os factos que lhe eram imputados constituíam um "delito administrativo" punível com uma multa e não um crime. Mas um colectivo de três juízes decidiu no fim de Janeiro que Cristina teria mesmo de ir a julgamento por cumplicidade em fraude fiscal.

Foi a primeira vez na História da Espanha que um membro da família real foi formalmente acusado de crime. O caso pôs à prova a monarquia e contribuiu para a decisão do rei Juan Carlos de abdicar do trono em favor do seu filho Felipe, em Junho de 2014. Na sequência do escândalo, Cristina e o marido foram despojados do título de duquesa e duque de Palma, e afastados de todos os actos oficiais da casa real espanhola.No entanto, a princesa recusou renunciar ao seu direito de sucessão ao trono, onde ocupa a sétima posição.

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