Entre o arrebatamento e a contenção

O primor técnico e a capacidade expressiva de Kholodenko ficaram patentes neste concerto, no entanto faltou maior arrebatamento expressivo em algumas das páginas de Schumann e de Scriabin.

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A escrita pianística de Quatro peças nocturnas Op. 23, tipicamente schumanniana, integra secções onde coabitam diferentes tipos de escrita – homofonia, polifonia e melodia acompanhada – que exprimem múltiplos e distintos estados de espírito. Schumann contrapõe nesta obra delicadeza e extravagância, ternura e agressividade, inocência e obsessão, esperança e desespero, num discurso musical que se assemelha à poesia pela sua capacidade imagética e de certo modo narrativa. A interpretação de Kholodenko demonstrou uma excelente compreensão do texto musical. O pianista respeitou as indicações de expressão e de andamento da partitura e delineou de forma clara e equilibrada os diferentes planos do discurso musical. Kholodenko soube aliar sobriedade interpretativa, rigor técnico e naturalidade expressiva, procurando sempre realçar a profundidade e riqueza emocional deste ciclo.

A Humoreske Op. 20 é uma obra de maiores dimensões, constituída por sete secções bastante diferentes que integram uma grande variedade de temas, como um ciclo de breves peças sem interrupção, ao longo das quais o tema inicial reaparece ao jeito de um rondó. Apesar de Kholodenko ter interpretado esta obra de forma cativante, o intérprete poderia ter sublinhado ainda mais os contrastes que a partitura apresenta e tirar mais partido da surpresa causada pelos vários retornos ao tema inicial.

O ciclo de 24 Prelúdios Op. 11 dominou a segunda parte do concerto. Kholodenko manteve a sobriedade demonstrada na primeira parte, o que por vezes conduziu a uma certa contenção expressiva. Isto observou-se, por exemplo, nos prelúdios nº 3 em Sol maior (Vivo) e nº 18 em fá menor (Allegro Agitato) que poderiam ter sido mais rápidos e vivos, assim como noutros prelúdios onde o rubato poderia ter sido mais ousado. De qualquer modo Kholodenko proporcionou momentos particularmente cativantes, nomeadamente nos enérgicos prelúdios nº 6 em Si menor (Allegro) e nº 14 em Mi bemol maior (Presto) e sobretudo na beleza e delicadeza sonora que imprimiu aos prelúdios mais intimistas, tais como o nº 4 em Mi menor (Lento) e o nº 15 em Ré bemol maior (Lento), com fantásticos pianissimi! A leitura de Kholodenko realçou ainda a polifonia que alguns dos prelúdios apresentam, fazendo-o também em passagens onde ela é menos óbvia. No geral fica uma boa interpretação, embora tenha faltado maior arrebatamento emocional em algumas páginas deste Op. 11.

A segunda parte contou ainda com a Fantasia Op. 28 de Scriabin. Esta obra, semelhante a um primeiro andamento de sonata, apresenta outro tipo de desafio técnico e interpretativo, devido sobretudo à estrutura formal e ao tratamento temático que apresenta. A interpretação de Kholodenko foi no geral bem conseguida. O recital terminou com um único encore, o Estudo Op. 42 nº 2 do mesmo compositor, ao qual faltou intensidade emocional.

O primor técnico e a capacidade expressiva de Kholodenko ficaram patentes neste concerto, no entanto com um maior arrebatamento expressivo, particularmente na Humoresque de Schumann e nos Prelúdios de Scriabin, estaria garantido um recital de qualidade superior.

 

 

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