Tempo novo na Educação

A expressão empregue por Sampaio da Nóvoa durante a campanha presidencial – “tempo novo” – criou as maiores perplexidades: foi interpretada como intenção do candidato se tornar num “presidente de fação” apoiando mais empenhadamente a presente conjuntura política, foi vista ainda como uma fantasia porque afinal as regras que regeriam este “tempo novo”, nomeadamente a Constituição, eram as mesmas que antes. O candidato fartou-se de explicar que não era uma coisa nem outra: “tempo novo” tinha tão só a ver com um tempo que o poder executivo não tinha que ficar aprisionado no famoso “arco da governação” e que, portanto, representava uma abertura a todos os eleitores e a todos os portugueses. O candidato insistiu e conseguiu convencer quem de boa fé entendeu o que ele queria dizer e provocar um encolher de ombros naqueles que queriam continuar a pensar o que pensavam antes. Mas isto são águas passadas.

O certo é que o “tempo novo” quer se queira ou não, está mesmo entre nós. E é preciso debatê-lo em particular no campo da Educação. O significado de “tempo novo” na Educação é muito mais profundo que o debate sobre as medidas tomadas pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues. A procura de alternativas à Educação escolástica e “tradicional” vem de longe. O campo da Educação é fértil em frequentes apelos a inovações profundas na forma como concebemos as finalidades e os meios para alcançar. Uma pesquisa, mesmo rápida pelas correntes que fizeram história na Educação permitem descobrir grandes vultos e pensadores, interessantíssimas teorias e fascinantes experiências que procuraram constituir-se como alternativa ao ensino tal como ele foi assumido e concebido ao longo dos anos. Apesar de toda esta vitalidade, digamos periférica, em relação aos sistemas instituídos de ensino, o certo é que a essência da Educação, do ensino e da aprendizagem não se modificou muito ao longo dos anos. E não se tendo modificado, piorou, porque alargou ainda mais o fosso entre o que seria de esperar de uma educação moderna e os valores e práticas da escola atual.  Assistimos hoje a um “braço de ferro” entre a forma como os alunos aprendem e a forma como as escolas ensinam. Os manuais, o currículo de metas fixas, a compartimentação do conhecimento em disciplinas herméticas, a desvalorização de áreas curriculares e a hipervalorização de outras, as metodologias e heurísticas de ensino, a obsessão pelos exames, constituem obstáculos para o desenvolvimento de uma escola que seja eficaz para educar – preparar para a vida de conhecimento e de cidadania – todos os alunos.

Este descompasso entre o que a escola é e o que devia ser está a tornar-se mais evidente e mais insustentável. Cada vez que experimentamos algo de diferente, algo que saia da apertada malha da escola “como ela é”, ficamos agradados com os resultados. Parece que o que se chama “modelos alternativos” é o que afinal de contas funciona e os modelos tradicionais são os que conduzem ao maior afastamento da escola do que ele deveria ser. O “tempo novo” em Educação é nada mais do que a rutura com os valores, com as práticas, com a organização dos sistemas educativos tal como eles se encontram concebidos.

Portanto, este “tempo novo” em Educação não é novo (anda há muitos anos a ser anunciado) nem é um sonho irrealizável de pregadores românticos.  Na verdade, estamos rodeados, a nível nacional e internacional, de experiências de conhecimento que nos permitem avançar para um “tempo novo” na Educação. Claro que sempre ouviremos vozes que clamam contra a  excessiva rapidez, contra a insensatez, a instabilidade e a irresponsabilidade de reformas. Entendemos porquê: este “tempo novo” não o poderia ser se não se confrontasse e contrastasse com tempos ancestrais, em que o paraíso morava no passado e em que o antigo detinha as chaves para resolver os problemas atuais.

“Tempo novo” na Educação é um processo que parte da consciência dos professores, dos gestores, dos políticos das famílias e das comunidades, que a Educação tem que ser mudada. Adquirida esta consciência é preciso que sejam encorajadas novas formas de ensinar, novas formas de aprender, novas legitimações do que foi ensinado e aprendido, novas formas que olhar as nossas crianças e a nossa Educação.

Muitas das pessoas que se opõem a que a Educação trilhe tempos novos imaginam que a pobre educação “do antigamente” servira para hoje se fosse ainda mais competitiva, seletiva, unidimensional, transmissiva e autoritária. Os “tempos novos” em Educação partem da consciência que é preciso primeiro mudar a consciência, mas tem de continuar com medidas que reforcem a confiança nos alunos, nos professores, nas famílias, nas comunidades, na participação. Talvez o “tempo novo” seja na Educação – analogamente ao que se passou na política – uma oportunidade para conceber uma educação em que ninguém fique de fora, uma estrutura que se reja, antes de mais, por uma profunda justiça social valorizando todos os alunos e não só os que estariam predestinados a participar “no arco da governação educativa”.

Presidente da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, conselheiro Nacional de Educação. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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