Arquitecto: será que o "social" está na moda?

A disputa mediática levou a arquitectura a aproximar-se do "marketing", do design de produto e a afastar-se das ciências sociais e do mundo real

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Danish Siddiqui/Reuters

Em 2010 discutia-se em ambiente de crise que caminhos a "nova geração" de arquitectos tomava. Duas discussões emergiam. Primeira: a ampliação do campo disciplinar da arquitectura — os arquitectos vão ter que fazer outras coisas ou chamar outras coisas de arquitectura. Segunda: a arquitectura social: um "manifesto pela participação ativa do público no processo". Por estarmos na Ordem dos Arquitectos e pela atenção dada pelo "mainstream" aos temas que anos antes eram considerados menores, ("a arquitectura dos pobrezinhos"), lembrei-me de perguntar:

Será que o "social" está na moda? Is social the "new green"?

Quatro anos depois, em 2014, o projeto que trabalhamos no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, foi selecionado para a exposição Tanto Mar com a curadoria do Atelier Mob. Se o ponto de partida era a pratica dos arquitectos portugueses emigrados, era perceptível uma critica à produção arquitetónica hegemónica das ultimas décadas.

A disputa mediática levou a arquitectura a aproximar-se do "marketing", do design de produto e a afastar-se das ciências sociais e do mundo real. Pedro Fiori Arantes caracteriza bem este cenário no seu livro "A Arquitetura na Era Digital Financeira". "A arquitetura de formas liquefeitas, de contorcionismos polimorfos e malabarismos cenográficos"(...) "Nelas se manifesta a seu modo a dinâmica de valorização enlouquecida do capital no momento em que este procura desenfreadamente dissociar-se de seu fundamento."

Seis anos depois, em 2016, o mais mediático prémio de arquitectura vai para... Alejandro Aravena: um Pritzker para a arquitectura social. Aravena critica a lógica de mercado. É nas contradições do seu funcionamento e na desigualdade de acesso à habitação (e cidade) que encontra a explicação para necessidade dos projetos de "interesse social". No entanto, a plataforma espaço de arquitectura relê o seu trabalho referindo que este consegue ter um papel transformador "tomando as regras do mercado como uma oportunidade".

Reconhecendo a qualidade de Aravena importa no entanto fazer um leitura crítica ao pragmatismo da ideia de se fazer "metades de casas" em projetos de habitação social. O argumento é o seguinte: não há dinheiro para fazer uma boa casa inteira, portanto, ou se fazia uma casa pequena ou se fazia meia casa. Na perspectiva da London School of Economics ideias destas podem valer um Nobel . A escola entendeu bem o potencial da ideia para legitimar o seu modelo neoliberal. Transportemos isto para a saúde, educação e restante estado social. Não há dinheiro para tudo, podemos ter metade de um estado social e o mercado fará o resto. Não lhe é familiar?

Se a mediatização é saudável ao dar visibilidade a caminhos alternativos aos que nos fizeram chegar ao ponto onde nos encontramos existem no entanto efeitos perversos. Será que "social" se esvaziará de sentido tal como aconteceu com o termo sustentabilidade, um conceito que passou a descrever quase tudo na mesma medida que não descreve nada. Esta banalização legitima políticas e projetos que ao ostentarem o selo de garantia "verde" mascaram os reais impactos socioambientais que provocam. Se tal acontecerá com o "social" é algo em disputa. A próxima Bienal de Veneza, talvez o mais mediático evento de arquitetura, terá a curadoria de Aravena. Será um espaço onde o showbusiness da arquitectura tentará obter o selo "social" de garantia. Será o momento de afirmar, que nem tudo é verde, que nem tudo é social. 

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