A infantilização da Europa

Calhou-me neste domingo ir falar a uma plateia de crianças sobre "o país, a Europa e o mundo". Encontrei nelas mais abertura e menos preconceito do que nos adultos que fui ouvindo nos últimos dias.

Um dos problemas no nosso debate público, além da excessiva previsibilidade, é que "Europa" significa tudo e nada. Se falamos de uma decisão da União Europeia ou de uma das instituições comunitárias, a coisa ainda vai compreensivelmente tachada como fazendo parte da "Europa". Curiosamente, o mesmo acontece quando se trata de decisões tomadas pelos governos nacionais, sozinhos ou reunidos no Conselho da UE. Mais extraordinariamente ainda, as mesmas pessoas continuam a afivelar o rosto grave para denunciar a "Europa" até quando estão a falar de decisões de parlamentos nacionais. É a partir daí que a confusão toma conta da discussão.

Basta recuar uns dias até às discussões sobre a decisão do parlamento dinamarquês sobre o confisco de bens a refugiados.

A primeira instituição a reagir, na véspera do voto dinamarquês, foi o Parlamento Europeu (a segunda foi — e muito bem — a Assembleia da República portuguesa, com um voto unânime). Abrem-se agora possibilidades de ação em relação à Dinamarca, desde logo por violação do Tratado da União Europeia (artigo 2: respeito pela dignidade humana) e da Convenção Europeia de Direitos Humanos (direito à propriedade e direito à vida familiar). No entanto, continua a ouvir-se, nos últimos dias, gente que é paga para falar nas TVs e rádios e escrever nos jornais, dizer que "esta Europa não serve" — falando da UE quando age, quando não age ou, no fim de contas, por causa de uma decisão que é da Dinamarca e não é sua.

Quem defende que a União Europeia não se deva meter nos assuntos dos estados-membros, pelos vistos, só o defende até ao ponto em que não gosta das decisões que um parlamento nacional toma. A partir daí, passa de novo a culpar a União Europeia, mas pela razão contrária: por esta não violar o princípio que antes defendia. Se a UE agir, também há quem ache que a UE tem culpa de decisões que são os países a tomar, e que por causa disso não deveria fazer nada quando elas são tomadas, apesar de os mesmos também criticarem se alguma coisa for feita — porque a decisão dos deputados dinamarqueses, mesmo quando viola a dignidade humana, é supostamente "soberana".

De caminho, esquecem que a Dinamarca não faz parte das políticas migratórias da UE (como eles defendem para o euro) e que mesmo sem UE continuaria a haver uma crise de refugiados — provavelmente pior.

Nos anos 30, a Itália invadiu a Etiópia. A Sociedade das Nações pediu à Inglaterra e à França para impedirem a frota italiana de passar. Estes países recusaram-se. Em vez de criticarem a Itália, a Grã-Bretanha ou a França, os antepassados dos modernos eurocéticos decidiram antes minar a credibilidade da Sociedade das Nações. Hoje a União Europeia é como antes a Sociedade das Nações: o bode expiatório, às vezes merecido, mas na maior parte das vezes somente o mais fácil, dos demagogos.

Neste estado de coisas, não admira que se encontre mais abertura num debate com crianças de cinco anos do que no comentário mediático que infantiliza o debate público para bater no seu ódio de estimação.

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