Pedro Sánchez tem de fazer a quadratura do círculo para chegar ao governo

O líder socialista tem um mês para reunir uma maioria e escolher os aliados de governo. Caminha no fio da navalha

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Para Sánchez é vital formar um governo. Está em jogo a sua sobrevivência política GERARD JULIEN/AFP

A crise política espanhola entrou finalmente na fase de decisão, que pode ser muito longa e marcada por surpresas. Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), foi encarregado pelo Rei Felipe VI de tentar formar governo e já iniciou as diligências para reunir uma maioria que lhe permita a investidura no Congresso. 

A equipa negocial de Sánchez encontrou-se nesta quarta-feira com pequenos partidos, reúne-se esta quinta-feira com Albert Rivera, presidente do partido Cidadãos, e na sexta-feira com Pablo Iglesias, líder do Podemos. É uma complicada negociação, uma espécie de quadratura do círculo, para a qual o socialista pediu um mês. Se falhar, deverá haver eleições antecipadas, no máximo em fins de Julho.

Felipe VI indigitou Sánchez na terça-feira depois de Mariano Rajoy, presidente do governo e do Partido Popular (PP), ter recusado o encargo por não ter uma maioria. Rajoy quis evitar uma derrota no Congresso mas sem renunciar a uma segunda oportunidade, esperando por um eventual fracasso de Sánchez e pela possível repetição das eleições. 

Que se segue? Se Sánchez conseguir reunir uma maioria, a primeira votação da investidura terá lugar dentro de um mês. Se não obtiver a maioria absoluta haverá segunda votação onde basta a maioria relativa, momento em que as abstenções devem ditar o resultado. Se não o conseguir o Rei pode reiniciar as consultas. Se não houver um governo 54 dias após a primeira votação, ou seja na segunda semana de Junho, o parlamento será dissolvido e haverá novas eleições até fins de Julho.

Os vetos cruzados
O politólogo Pablo Simón escrevia ontem que, à imagem da Holanda ou da Bélgica, “o que, de facto, o monarca designou foi um formateur (formador), um candidato que deve tentar obter os apoios necessários na câmara para ser investido”. É uma situação inédita num país em que até agora dominou o bipartidarismo e em que o vencedor tinha maioria absoluta ou rapidamente fazia acordos de apoio parlamentar. É ainda a primeira vez em que o político convidado a formar governo não é o líder do partido mais votado. Em vez de dois, há quatro partidos fortes mas incapazes de formar uma aliança maioritária. 

Após a votação de 20 de Dezembro, não houve conversações entre os líderes partidários mas trocas de propostas de teor propagandístico. O PP sugeriu uma “grande coligação” sob sua direcção, Iglesias avançou a proposta de um “governo progressista” com o PSOE que seria viabilizado pelos votos ou pela abstenção de forças nacionalistas. Sánchez não escondeu a sua preferência por uma “maioria de esquerda”. No entanto, a aliança com Podemos e, sobretudo, pactos com os independentistas catalães são soluções que fracturam os socialistas.

Se durante mais de 40 dias não houve negociação, os partidos dedicaram-se a traçar “linhas vermelhas”, os vetos cruzados que ameaçam conduzir a um impasse institucional. O PP, o partido mais votado, não aceita um executivo que não seja presidido por Rajoy. O PSOE rejeita categoricamente um acordo com o PP. Gostaria de formar um governo “equilibrado” com o esquerdista Podemos e o centrista Cidadãos, mas estes excluem-se mutuamente. Propostas como a de Felipe González, apelando a que PSOE e PP não bloqueiem um governo de um dos dois grandes partidos, não tiveram eco.

O PSOE numa tenaz
Para Sánchez é vital formar um governo. Está em jogo a sua sobrevivência política. Também para o PSOE, dividido e sofrendo a erosão de uma derrota eleitoral, repetir as eleições levaria a um desastre quase certo. O seu cenário ideal seria um governo com o Podemos e o Cidadãos. Mas tanto Iglesias como Rivera excluem categoricamente esta solução. Rivera mostra-se aberto a apoiar um executivo minoritário do PSOE mas nunca com o Podemos no governo.

O PSOE não quer ser acusado de inviabilizar a “alternativa de esquerda” ao PP. Daí a opção Podemos, a que se juntaria a Esquerda Unida, surgir como a mais provável. Mas, no dia 22 de Janeiro, Iglesias lançou o pânico nas hostes socialistas ao fazer uma proposta ao Rei sem antes falar com Sánchez: quer “um governo de mudança” em que seja vice-presidente e o seu partido assuma ministérios estratégicos — por exemplo, Economia, Defesa, Interior ou Justiça. Esta proposta reavivou a desconfiança dos socialistas: Iglesias nunca escondeu que o seu objectivo estratégico é destruir o PSOE, ocupar o espaço político e assumir a hegemonia da esquerda.

Sánchez conseguiu isolar habilmente Mariano Rajoy e o PP. Mas agora terá de se libertar da “tenaz” em que está metido e de que o Podemos e o PP são cúmplices. São os que, à primeira vista, têm a ganhar com a repetição das eleições. Mas nada é inevitável. Em caso de ruptura, Sánchez tentará mostrar aos eleitores do PSOE que foi o maximalismo de Iglesias que levou ao bloqueio da “maioria de esquerda”. 
Aguardam-se as surpresas e as emboscadas. 

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