No rio Tejo, o peixe está mais morto que vivo

Caudal ecológico abaixo da média estabelecida no Convénio de Albufeira e a carga poluente com origem maioritariamente em Espanha degradam os ecossistemas do rio ibérico.

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Tejo em Vila Velha de Rodão Nuno Alexandre Mendes

“Já não se pode fazer a célebre sopa de peixe” do rio Tejo, queixou-se nesta terça-feira a presidente da Câmara de Nisa, Maria Idalina Trindade, na Comissão parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação. A autarca deslocou-se ao parlamento na companhia dos seus colegas de Castelo Branco, Vila Velha de Ródão, Gavião, Mação, Abrantes e Constância, para expor as suas apreensões sobre o estado actual do rio Tejo.

Idalina Trindade disse que o peixe só está em condições de pescar “acima da barragem de Cedillo”, em Espanha. Daí para baixo, “a pesca não existe ou, quando existe, o peixe está mais morto que vivo”, acrescentou o presidente da Câmara de Gavião, José da Silva Pio, descrevendo o cenário que observou quando se deslocava para Lisboa a caminho da Assembleia da República: “O caudal do Tejo transportava uma espuma branca que depois dará lugar a água negra.”

O problema tem a ver com muita coisa, prossegue o autarca, imputando as causas maiores aos “transvases que retiram água ao rio”. A operação que é realizada pelas autoridades espanholas acaba por se traduzir na falta de caudal no troço português, que por sua vez arrasta a poluição produzida por fábricas a montante, em Vila Velha de Rodão, presumem alguns dos autarcas que se deslocaram à comissão parlamentar.

O autarca deste concelho, Luís Pereira, comunga das preocupações expressas pelos representantes dos municípios vizinhos, mas “o problema não nasce em Vila Velha de Rodão”, garante, sugerindo às autoridades que verifiquem o que se passa a montante do seu concelho, frisando que “o que chega de Espanha não é água mineral.” E pergunta: “Como está a rede de monitorização que foi prometida para o rio Tejo?”

Idalina Trindade quer saber o que se passa com os processos de contra ordenação em curso e o que acontece aos agentes poluidores. Responde-lhe a deputada do PCP, Ana Mesquita, com os dados apresentados durante a audição na comissão parlamentar do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA): Cerca de 60% das contra ordenações “nem sequer seguem por falta de provas.”

A deputada salienta que “já existe um mapa dos principais focos poluentes.” O problema é que as reincidências nas descargas contaminadas “acontecem aos fins-de-semana” e a APA não tem pessoal para fiscalizar.

O festival da lampreia que deveria realizar-se no concelho de Mação ficou sem efeito. “Se o realizássemos seríamos criticados por causa da poluição”, lamentou-se o presidente da câmara, Vasco Estrela, lembrando que é ao rio Tejo que “a população vai buscar parte do seu sustento.” O autarca realçou as “consequências negativas” da publicidade que fala do rio pelas piores razões, afectando a economia local, que vive do turismo.

O cenário não se altera em Abrantes, onde o caudal ecológico, na maior parte do ano, “não cumpre os dois metros de fundo”, realça Maria do Céu Albuquerque, presidente da câmara local. As consequências reflectem-se na actividade agrícola em plena lezíria do Tejo com “a chegada da água do mar a Santarém”, assinala a autarca, que diz ter investido 9 milhões de euros no tratamento dos efluentes domésticos. "Há vários anos que lutamos por uma praia fluvial, mas ainda não conseguimos que os parâmetros de qualidade da água do rio nos permitam ter uma praia certificada”, observa.

A “renegociação” da Convenção da Albufeira sobre a gestão dos rios ibérico comuns e uma fiscalização “mais presente e agressiva”, foi reivindicada pelo deputado do PSD, Duarte Marques, dando conta que “há muitas empresas nas margens do Tejo que prevaricam” nos dois lados da fronteira.   

A deputada socialista Maria da Luz Rosinha lembra que não se está “a falar de um problema novo", recordando que já viu a espuma branca em Vila Franca de Xira causada por empresas transformadoras de tomate. E alerta para a necessidade de fiscalizar um conjunto de agentes poluidores, “pequenos e grandes, ligadas à agricultura e à suinicultura que ficam muito longe do próprio rio.”

As incongruências patentes na intervenção das autoridades portuguesas no combate aos agentes poluidores mereceu críticas de Carlos Matias, deputado do Bloco de Esquerda. Disse que a qualidade da água na ribeira do Arsafal, afluente do Tejo, “é medíocre”. Mesmo assim, a normalização do seu caudal está prevista para 2027. Desde Maio de 2015 que a APA anda a reunir com a Celtejo, sedeada em Vila Velha de Ródão, e “agora vem dizer que demora quase um ano a fazer uma avaliação preliminar”. A empresa vai ter de investir cerca de 80 milhões de euros na modernização dos seus equipamentos. “O problema é que a questão vai sendo protelada”, conclui o deputado do Bloco de Esquerda.

A degradação ambiental do rio Tejo está também a suscitar um forte mal-estar nos concelhos ribeirinhos em território espanhol. Cerca de 30 autarcas vão reunir-se nesta quinta-feira na cidade de Talavera de la Rena para criar uma plataforma de defesa dos rios Tejo e Alberche.

Num comunicado emitido nesta quarta-feira, os autarcas envolvidos, entre os quais os de Aranjuez, Toledo e Talavera, as três principais cidades ribeirinhas, assinalam que “é tempo de unidade em prol de um objectivo comum que é a defesa do Tejo”. Neste sentido, propõem-se criar uma rede de municípios ribeirinhos para reforçar a luta pela salvaguarda ambiental do rio, uma rede que seja capaz de superar as “diferenças partidárias”, acentuam.

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