Governo aprova novas medidas e espera agora por decisão de Bruxelas

As questões técnicas já estão fechadas e o Governo já decidiu que medidas adicionais oferece a Bruxelas. Decisão está agora do lado da Comissão Europeia.

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Pierre Moscovici, comissário europeu AFP

Governo e Bruxelas entenderam-se sobre o cálculo do défice estrutural. No Parlamento, os partidos de esquerda fecharam as medidas adicionais, que encurtam, mas não eliminam, as diferenças com Bruxelas. António Costa espera agora a decisão final dos comissários europeus sobre o orçamento português, que deverá acontecer esta sexta-feira.

A convicção dentro do Executivo é a de que, ultrapassada a fase técnica da discussão, o assunto “está muito perto” de ser resolvido. O Governo conseguiu reduzir o intervalo entre as suas metas orçamentais e as exigências de Bruxelas e está à espera de uma decisão política favorável por parte dos comissários. Mas de Bruxelas, para já, a mensagem é a que a negociação ainda não está acabada e que ainda há divergências significativas para resolver antes que o veredicto final possa ser o de uma luz verde aos planos orçamentais portugueses, sem que seja exigida a Lisboa a apresentação de uma versão revista do esboço do OE para 2016.

Os progressos nas negociações entre as partes podem ser medidos através da evolução de um indicador: o défice estrutural. Este é o défice em que se retira da análise o efeito da conjuntura económica e das medidas de carácter extraordinário e temporário. É um indicador que mede o verdadeiro esforço de consolidação orçamental de um país e a Comissão Europeia gostava de ver Portugal a cumprir a meta de redução de 0,6 pontos percentuais que tinha sido definida em Julho pelo Conselho da UE.

Os problemas começaram a partir do momento em que, no esboço do OE enviado a Bruxelas, o Governo apontou para uma redução do défice estrutural de apenas 0,2 pontos percentuais. E, pior do que isso, esse número apenas era conseguido porque nesse esboço eram classificadas como “extraordinárias”, medidas equivalentes a 1923 milhões de euros, ou seja, cerca de 1% do PIB. Nas contas dos técnicos da Comissão o défice estrutural implícito no OE era bastante superior do que aquele que era apresentado pelo Governo.

Assim, as negociações têm sido feitas em torno de dois temas principais: por um lado tentar chegar a um entendimento sobre quais as medidas que contam e que não contam para o cálculo do défice estrutural, por outro, saber que medidas adicionais o Governo apresenta a Bruxelas, para aproximar as suas metas orçamentais daquilo que lhe é exigido pelas autoridades europeias.

A primeira parte da discussão, de carácter essencialmente técnico, está concluída. Segundo apurou o PÚBLICO junto de fonte governamental, a Comissão acabou por aceitar classificar como extraordinárias algumas das medidas registadas pelo Executivo. O caso mais importante é o da redução da sobretaxa, num valor de 430 milhões de euros. Noutras medidas, como a eliminação do corte salarial da função pública, a intenção do Governo não foi no entanto aceite.

Deste modo, o Governo acabou por ficar nas mãos com a necessidade de apresentar a Bruxelas um montante significativo de medidas adicionais que consigam aproximar um pouco mais as metas orçamentais do OE daquilo que a Comissão pede. Um trabalho que já teve desenvolvimentos e que o Governo teve de fazer, sempre em negociações paralelas com os partidos políticos à sua esquerda.

As medidas adicionais
Nos últimos dias, os telefones de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, e Mariana Vieira da Silva, secretária de Estado adjunta de António Costa, devem ter esgotado a sua bateria muito cedo, logo pela manhã. Entre os dois jovens governantes cruzavam-se as duas frentes de negociação do Orçamento do Estado.  As dúvidas de Bruxelas, e as medidas adicionais que o Governo acrescentou ao esboço que a Comissão Europeia vai apreciar, de novo, na sexta-feira, têm implicações no acordo parlamentar que garante a maioria dos votos no Parlamento.

Por isso, na terça-feira à tarde e na quarta de manhã, Pedro Nuno Santos reuniu-se com os grupos parlamentares do BE, do PCP e do PEV. O objectivo foi garantir que nada do que era acrescentado ao esboço em Bruxelas contrariava o espírito da “geringonça”, como lhe chamam os detractores do acordo de esquerda. “As medidas complementares estão desenhadas para ser compatíveis com os acordos”, garante um dos intervenientes na negociação. Ou seja, não afectam directamente os rendimentos.

E de facto, entre as medidas adicionais nota-se uma aposta no aumento dos impostos indirectos. Na proposta do OE que deverá ser aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, o Governo vai avançar com um agravamento da tributação sobre a compra e a utilização de automóveis superior àquele que estava previsto na versão inicial do esboço do OE. Isso será feito com uma nova  subida do ISP e do imposto sobre veículos.

Depois aumenta a tributação sobre o sector financeiro, através de um novo aumento da contribuição da banca para o Fundo de Resolução (com um alargamento da base de incidência) e com a subida das taxas aplicadas às comissões nas transacções do multibanco.

Nas reuniões, separadas, como o BE, PCP e PEV, esta quarta-feira, no Parlamento, em que participou Mário Centeno, ministro das Finanças, além do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, e os seus colegas do Orçamento, Assuntos Fiscais e Modernização Administrativa, ficou fechada uma nova medida complementar: o fim das isenções de IMI para os fundos imobiliários. O Estado espera arrecadar cerca de 50 milhões de euros com este imposto, que até agora isentava o sector financeiro.

Esta é uma velha reivindicação dos partidos de esquerda, e chegou a ser equacionada pelo PS no passado. Durante as negociações que deram origem ao acordo de esquerda, o BE colocou-a na mesa mas não foi possível chegar a acordo, razão pela qual não consta o programa do Governo. Mas dada a necessidade de garantir receitas adicionais, o Governo repescou esta proposta.

O Governo deverá comprometer-se ainda com Bruxelas em não descongelar as carreiras na Função Pública como estava previsto em 2018 no programa eleitoral. Essa informação não foi, no entanto, transmitida à delegação do PCP recebida pelo ministro Mário Centeno. João Oliveira, líder da bancada comunista, disse não ter recebido essa informação por parte do Governo e escusou-se a revelar se a posição é um obstáculo para o PCP. Esta questão não faz parte, no entanto, do acordo celebrado entre o PCP e o PS. 

No final da ronda com os partidos Pedro Nuno Santos quis deixar uma mensagem de confiança. "Está a correr tudo bem em Portugal e no processo que está em curso com a Comissão Europeia", disse o governante. "No final terão um Orçamento que promove a economia e o emprego, mais protecção social e promete reduzir a dívida pública", acrescentou, escusando-se a confirmar "medidas ou notícias" sobre a proposta de Orçamento, por existir um processo negocial em curso. “As coisas estão acorrer bem e vão terminar bem”, declarou ao PÚBLICO, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, no final do dia.

Avaliação política
Todas estas medidas deverão encurtar, mas não eliminar, a diferença entre as projecções do Governo e as metas exigidas por Bruxelas. A partir daqui, para que a Comissão Europeia aceite não classificar o OE português como estando em “incumprimento particularmente sério” das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, será necessária uma avaliação favorável cujos critérios são mais subjectivos.

A decisão final da Comissão Europeia só deve ser conhecida na sexta-feira, após a reunião do Colégio de Comissários, mas no Governo português existe a convicção de que o assunto “está muito perto” de ser resolvido.

Durante esta quarta-feira surgiram informações de que o próprio comissário para os assuntos económicos e financeiros, o francês Pierre Moscovici, teria dado luz verde ao esboço orçamental português. Mas mesmo que o tenha feito, essa não é nenhuma garantia de aprovação. Acima de Moscovici, e em conflito político com o socialista francês, está o vice-presidente da Comissão para os assuntos do Euro, Valdis Dombrovskis. Este, conservador do PPE, será um dos mais irredutíveis entre os 14 comissários da família política do centro-direita, que tem metade dos assentos na Comissão.

É por esta razão que o Governo português considera que esta será uma discussão mais política do que técnica. E que, mais do que sobre a apreciação do esboço de orçamento, a Comissão está divida politicamente. Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, fonte oficial da Comissão Europeia afirma que “as negociações estão a decorrer”, insistindo que uma decisão final apenas irá acontecer na sexta-feira.

Costa “satisfeito”
Escusando-se a antecipar qualquer avaliação que a Comissão Europeia possa vir a fazer sobre o esboço da proposta de Orçamento do Estado para 2016, o primeiro-ministro mostrou-se “satisfeito” com o documento e desvalorizou os problemas da negociação, dizendo que “foram sendo ultrapassados”.

“O diálogo com as instituições europeias correu muito bem. Acho que ninguém tem motivos para estar preocupado com a seriedade do trabalho que foi feito de parte a parte”, disse António Costa aos jornalistas em Évora. “Naturalmente há divergências técnicas, naturalmente por vezes encontram-se dificuldade na compreensão das posições de uns e de outros. Mas acho que o trabalho foi muito frutuoso e da parte do Governo português estamos tranquilos com a proposta que apresentaremos na Assembleia da República.”

Ao referir-se às negociações entre o Governo e a Comissão Europeia, António Costa falou sempre no pretérito, como se o processo já estivesse encerrado e disse estar “satisfeito com este trabalho”. Mas fugiu a falar sobre isso, tal como também nunca respondeu sobre qual a sua expectativa da avaliação da Comissão ou mesmo se tem um plano B caso ela seja negativa. “Nós concluímos a parte que nos compete; amanhã aprovaremos a proposta final em Conselho de Ministros, que será depois entregue na Assembleia da República.”

Entretanto, à mesma hora que o primeiro-ministro desdramatizava, em Évora, as negociações difíceis com Bruxelas, o Presidente da República mandava o recado a partir de Rio Maior. “Eu amanhã [quinta-feira] vou ter uma reunião com o senhor primeiro-ministro e espero que ele me traga boas notícias. É muito importante que se chegue a um entendimento com a Comissão Europeia sobre o próximo Orçamento por uma razão fundamental: porque Portugal é um país que depende muito do estrangeiro, em particular no financiamento, nas exportações e no investimento", disse Cavaco Silva citado pela Lusa.

Do lado dos partidos à esquerda, ouviram-se críticas especialmente às autoridades europeias. À saída da reunião com a equipa ministerial, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, congratulou-se com as opções orçamentais em cima mesa, considerando que em nada ferem os acordos firmados à esquerda com o Governo socialista. “Os fanáticos da austeridade obviamente estarão sempre desiludidos com este caminho, mas aí também percebemos que foi o povo português quem lhes retirou o tapete, nas eleições passadas, ao dar espaço a uma nova maioria parlamentar capaz de garantir este direito às famílias”, disse, referindo-se às medidas de recuperação de rendimentos previstas no documento.

Do lado do PCP, o líder parlamentar, João Oliveira, criticou aquilo que o Partido Comunista considera “absolutamente inaceitável”: a “pressão” feita por Bruxelas, numa “operação de chantagem e pressão por parte da Comissão Europeia”.

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