Ricardo trocou Spotify pela criação do “walkie-talkie do século XXI”

Roger é uma aplicação para “smartphone” que funciona como um “walkie-talkie do século XXI”. Ricardo Vice Santos, que já passou pela Spotify, é co-fundador da “start-up” que, em poucos meses, já arrecadou um investimento milionário. O objectivo é tornar a comunicação online num “acto mais humano e menos mecânico”

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Ricardo Vice Santos, fotografado em Lisboa no intervalo de reuniões de trabalho Ricardo Campos

Imagina a situação: Ricardo Vice Santos caminha pelas ruas de Nova Iorque, atrasado para uma reunião na Spotify, enquanto troca mensagens escritas com um amigo português na Suécia. Segue muito concentrado e bate contra um poste. O cenário não é inventado, aconteceu a Ricardo algures no fim de 2014 e acabou por ser uma epifania na vida pessoal e profissional do jovem português, co-fundador da Roger. Esta aplicação para “smartphones” já foi apelidada de “walkie-talkie do século XXI” e, recentemente, objecto de um investimento de quase um milhão de euros por parte de um antigo homem forte do Facebook. Com ela, Ricardo não vai voltar a chocar com um poste nas ruas de Nova Iorque.

A aplicação é gratuita e a mecânica de funcionamento “extremamente simples”, garante Ricardo, em entrevista ao P3 aquando de uma breve passagem por Portugal. Enquanto ferramenta que apenas envia e recebe mensagens de voz, a Roger tem um botão vermelho que deve ser pressionado, por um lado, para gravar e enviar para um contacto, e, por outro, para ouvir. As gravações são eliminadas 48 horas depois de terem sido ouvidas ou após o mesmo contacto enviar nova mensagem. Não existe um histórico porque, explica o português de 29 anos, a ideia é “ser uma conversa em andamento”, uma “experiência diferente”. “Ouvimos mais porque as pessoas falam 90 segundos, dois minutos, sem interrupções”, diz.

A Roger está online desde 8 de Dezembro de 2015, disponível em todos os países para “smartphones” com sistemas operativos iOS e Android (neste último, para já, numa versão beta). Quando Ricardo e Andreas Blixt — que foram colegas na Spotify, de onde saíram para lançar esta “app” — idealizaram a Roger, num fim-de-semana bastante produtivo, e a passaram a amigos para testes, perceberam que a aplicação “ajudava as pessoas a conversarem de uma maneira mais espontânea”. Inicialmente, a “app” estava apenas disponível para download nos Estados Unidos e nas Filipinas. Mas aquela que se revelou como a principal vantagem da Roger ajudou os seus criadores a optarem pelo mercado global: falar com a família e os amigos que não estão no mesmo fuso horário, como é o caso de Ricardo. “Era inútil não sermos globais”, admite o antigo engenheiro e líder da equipa que lançava o Spotify em novos mercados, que o P3 deu a conhecer em 2013.

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A Roger é gratuita e está disponível em todo o mundo para iOS e Android (neste último, em versão beta) DR

Apenas dez dias após o lançamento oficial nas lojas de aplicações, Ricardo e a restante equipa de seis pessoas tiveram uma surpresa que fez crescer o número de downloads e de comentários. Jonah Bromwich, do “New York Times” (NYT), escreveu um artigo intitulado “Nova aplicação é o walkie-talkie do século XXI”. “Claro que, em termos de simbolismo, tem muito impacto”, reage Ricardo, mas a verdade é que o mais importante foi o facto de a aplicação ter sido “exposta a uma demografia” inesperada. Jovens deslocados e abertos a alternativas tecnológicas eram o público-alvo do produto, pensavam Ricardo e Andreas, mas a publicação do NYT apresentou-o “aos mais velhos e a pessoas cegas e com deficiências motoras”. “Recebi e-mails e comentários impressionantes”, conta o português, orgulhoso por saber que mudou “a forma como muitas pessoas comunicavam”. A simplicidade da “app” ajuda a quem tem dificuldades em escrever e pretende uma solução rápida e acessível, online.

“Crescer vai demorar tempo, mas é isto que me faz acreditar no que estou fazer e motiva a equipa”, confessa Ricardo. E o crescimento desta “start-up” também foi notícia: a Roger recebeu um investimento de um milhão de dólares (cerca de 917.000 euros) da Social Capital, uma empresa de capital de risco de Silicon Valley liderada por Chamath Palihapitiya, “que gostou muito do produto”. Palihapitiya, natural do Sri Lanka, passou pelo Facebook enquanto responsável pelo crescimento. “Quando ele entrou no Facebook este tinha 30 milhões de utilizadores. Quando saiu eram 1,2 mil milhões”, compara Ricardo.

Neste momento, o foco da empresa não é fazer crescer a equipa. “O dinheiro vai ser usado para tornar a aplicação melhor do que é hoje”, sintetiza o co-fundador, admitindo estar “obcecado” como esse objectivo. A missão mantém-se: “pôr as pessoas a falarem mais e mais espontaneamente, num acto mais humano e menos mecânico”.

Artigo actualizado às 19h15 de 2 de Fevereiro de 2016.

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