Da Galiza para o mundo (e vice-versa), sem passar por Madrid

O festival Escenas do Cambio quer criar outro mapa para a criação artística contemporânea da região.

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Jaguar, de Marlene Monteiro Freitas, abriu o festival

A cidade fica lá em baixo, mas Pablo Fidalgo Lareo (Vigo, 1984), o director do Escenas do Cambio, acredita que a distância é sobretudo psicológica. À segunda edição, o festival reitera a vontade de pôr a Galiza no circuito das artes performativas sem ter de passar via Madrid ou Barcelona: “Estamos sempre a olhar para lá, mas creio que não nos dão nada em troca. Temos de criar outro mapa para a Galiza”, defende.

Não é uma logística fácil: Santiago de Compostela não tem mais de cem mil habitantes e é o coração simbólico, e conservador, de uma região periférica que não tem tido grande contacto com a criação contemporânea nas áreas do teatro e da dança. Mais difícil ainda: o complexo da Cidade da Cultura, onde o festival decorre, é a mal-amada e algo inóspita obra do regime de uma figura esmagadora da política regional, o presidente Fraga Iribarne, e parece condenada a ser uma dessas ruínas precoces que a crise reproduziu em série (dois dos seis edifícios do mega-projecto ficaram por construir e são agora gigantescos buracos).

Mas o público apareceu e encheu as duas salas do Museu Gaiás neste primeiro fim-de-semana do festival, tal como já tinha aparecido no ano passado. “Sentimos imenso apoio dos espectadores e da criação galega, não só das artes performativas mas também do pensamento, das artes visuais e do cinema”, explica Pablo, que fez um primeiro teste em 2013 e 2014 no Museu de Arte Contemporânea de Vigo (MARCO), com o ciclo Material Memoria, e a seguir teve as condições para evoluir para “um festival com um trabalho de curadoria forte” e muito próximo de “um espírito de programação” que encontrou em Portugal. “Interessam-me as ligações com África, território com que festivais como o Alkantara e teatros como o Maria Matos promovem relações e que em Espanha ainda é uma grande novidade, uma grande mudança”, explicita (este ano haverá espectáculos dos marroquinos Radouan Mriziga e Bouchra Ouizguen e, via Portugal, do congolês Faustin Linyekula). Tanto como lhe interessa manter a ligação com a América Latina, que continua a espantá-lo, com a criação local, que o festival entende ter obrigação de estimular (tanto através de co-produções, residências e módulos de formação como da exposição da comunidade galega do teatro e da dança a espectáculos de referência internacional e do convite a programadores estrangeiros), e com Portugal – que este ano voltou a ter destaque logo no primeiro dia (Marlene Monteiro Freitas mostrou o seu novo Jaguar, que só veremos por cá no próximo dia 18) depois de há um ano Cláudia Dias e Ana Borralho com João Galante terem aberto o festival.

O Escenas do Cambio termina a 13 de Fevereiro, até lá a mudança é um imperativo diário: “Este festival nasce da convicção pessoal de que há uma transformação social e política que se estende àquilo entendemos que é a participação do público, que não pode ser frívola. Queremos seriamente ser parte dessa transformação.”

O PÚBLICO viajou a convite do Escenas do Cambio

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