Os tempo-velhistas e a gerigonça

A semana passada levou alegria às hostes da direita nacional. As eleições presidenciais, em primeiro lugar, mas sobretudo as críticas da Comissão Europeia ao esboço de orçamento português, deram esperanças a quem quer uma oportunidade nova para o tempo velho.

O tempo velho era, lembremo-lo, aquele em que a esquerda não apoiava governos e a direita implementava austeridade a dobrar (veja-se um relatório recente da OCDE citado por este jornal: “Em Setembro de 2011, o país anunciou uma redução de 11% no orçamento do Serviço Nacional de Saúde para 2012, o dobro do corte do memorando de entendimento com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional”). Só que não há apetite em lugar nenhum pelo regresso desse tempo. Nem no eleitorado nacional, nem nos partidos nacionais, nem sequer fora do país.

Nos tempos que correm, é inevitável que a apreciação da Comissão Europeia ao esboço de orçamento leve a reações exacerbadas de dois campos: o dos adeptos da austeridade, para provar que “não há alternativa” ao seu caminho, e o dos adeptos da saída do euro, para provar que as instituições europeias são um coió de monstros. Na verdade, ambos os campos se assemelham no diagnóstico e até no prognóstico, quando não na prescrição: ou se pratica a austeridade mais dura ou há que sair do euro. Para eles é importante que qualquer carta da Comissão seja vista como um ultimato — da mesma forma que é importante para o governo que esta carta seja vista como uma mera apreciação técnica, como as que foram enviadas para outros governos, e que terá a seu tempo uma sequência política.

Por detrás deste jogo de percepções há duas realidades fundamentais. A primeira é que, por virtudes do calendário, a situação do governo português não é tão armadilhada quanto foi a do grego: a direita grega permitiu-se deixar o seu país sob programa, com uma avaliação da troika por fazer e o incumprimento a poucas semanas de distância. A segunda é que, após o Verão passado, ninguém tem vontade de ressuscitar a crise do Grexit em versão portuguesa. Os tecnocratas farão as suas perguntas, mas a zona euro tem problemas reais que não passam por um orçamento moderadamente expansionista em Portugal. Depois de alguma dança institucional, encontrar-se-á um caminho intermédio que salve a face de toda a gente.

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É a partir daí que as esperanças dos tempo-velhistas se viram para o BE e o PCP, a quem atribuem uma vontade férrea de entrar num confronto com a “Europa” da retórica, ou dos quais esperam que as rivalidades e as invejas, agravadas pelos resultados das eleições presidenciais, os levem a entrar em competição pela queda do governo. Só que a retórica anti-europeia não passa disso e o taticismo de BE e PCP aconselha claramente a não balançar o barco da governação em Portugal.

Na verdade verdadinha, nem a própria direita quer regressar ao poder agora. O CDS está a mudar de líder e Passos alega-se ocupado a “recentrar” o PSD na social-democracia, o que pela sua implausibilidade só pode demorar enormemente. As sondagens desajudam. Até as lideranças da direita abandonaram os tempo-velhistas.

E é assim que, por manifesta falta de oportunidade, os mais entusiasmadiços podem entusiasmar-se, mas a geringonça segue.

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