Costa acusa Passos de ter enganado Bruxelas sobre medidas temporárias

Líder do PSD “nada tranquilo” com Orçamento do Estado para 2016. Costa engana-se e por duas vezes chama-lhe primeiro-ministro.

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Rui Gaudêncio/Arquivo

O primeiro-ministro, António Costa, acusou o anterior chefe de Governo, Passos Coelho, de ter induzido em erro a Comissão Europeia ao ter assegurado que medidas como a sobretaxa ou os cortes nos rendimentos eram temporárias. António Costa justificou assim, no debate quinzenal, no Parlamento nesta sexta-feira, as dúvidas de Bruxelas sobre o esboço orçamental para 2016.

Na interpelação ao Governo, o líder do PSD disse não estar “nada traquilo” sobre o esboço apresentado, sustentando-se nas dúvidas manifestadas pela própria Comissão Europeia, a opinião da Unidade Técnica Orçamental da Assembleia da República e do Conselho de Finanças Públicas.

“Medidas como a sobretaxa ou corte dos rendimentos foram apresentadas como medidas temporárias. Pôr termo a medidas temporárias não é fazer alterações estruturais. Ou o anterior Governo comunicou à Comissão Europeia que as medidas que tinham informado o país eram temporárias e eram definitivas e a Comissão Europeia julga que estamos a alterar medidas que são definitivas”, afirmou António Costa.  

O primeiro-ministro sustentou ainda que as previsões sobre o défice para este ano não andam muito longe das estimativas do Governo PSD/CDS. E deu o exemplo da estimativa que constava do Pacto de Estabilidade e Crescimento do anterior Governo que apontava para um défice de 2% para este ano, menos uma décima prevista pelo actual Executivo.

“As previsões que temos são conservadoras e realistas, agora sim, é um Orçamento que não se conforma com as políticas e quer marcar a viragem de página das políticas”, sustentou Costa, que por duas vezes se enganou e chamou primeiro-ministro a Passos Coelho.

Num tom muito prudente, Passos Coelho voltou a mostrar dúvidas. “O Governo apresenta medidas estruturais que não o são. Agrava o défice estrututral e é por isso que Bruxelas está preocupada”, afirmou, fazendo a distinção entre o trabalho “técnico” e o “não ter um exercício sério”. O líder social-democrata assinalou ainda nunca ter passado pelo “embaraço” de ter um ministro das Finanças a ser “corrigido”. “O que conhecemos são medidas que aumentam a despesa e diminuem a receita. Como não são conhecidas chegamos à conclusão de que não tem consistência e contrasta com o que tem vindo a dizer”, disse.

Pela bancada do CDS, Nuno Magalhães também apontou as críticas de “irrealismo” em torno do esboço orçamental. O líder da bancada centrista questionou sobre possíveis medidas tradicionais ou qual o plano B que o Governo tem se Bruxelas travar o Orçamento. António Costa reafirmou que o diálogo com a Comissão Europeia é “construtivo” e admitiu que estar disponível “para ajustar o que for possível ajustar”. “Uma coisa pode estar certo: Não desistiremos dos compromissos assumidos com os portugueses”. 

Catarina Martins dá Constituição a Costa para este levar a Bruxelas
A porta-voz do Bloco de Esquerda veio auxiliar António Costa na difícil explicação sobre como o executivo contabiliza como medidas extraordinárias a reversão das políticas de austeridade e que levantaram críticas à UTAO e dúvidas a Bruxelas.

Há dois anos, Catarina Martins já tinha feito o número com Pedro Passos Coelho, embora com mais impacto, e esta sexta-feira repetiu-o: trouxe um exemplar da Constituição pedindo a António Costa que o entregue à Comissão Europeia. Isto para explicar que “a Comissão terá sido enganada” pelo Governo PSD/CDS quando este argumentou em Bruxelas que iria fazer cortes nos salários, pensões e direitos “que a Constituição não permitia”, é certo, mas que podiam ser feitos porque eram “transitórios”.

“Este é o momento de se explicar à Comissão que em Portugal a Constituição é para cumprir”, argumentou Catarina Martins, lembrando que a Comissão “exige a Portugal metas do défice e financiamento da banca como não exige a mais nenhum país europeu”. Citando também Sérgio Godinho, como António Costa fizera no início do debate, Catarina questionou: “O que é que Portugal tem que é diferente dos outros?”.

A porta-voz do BE deixou uma palavra de força ao primeiro-ministro, garantindo que há uma força no Parlamento “que apoia o Governo para fazer frente a Bruxelas” e que essa “voz forte tem de se fazer ouvir” – a mesma mensagem de pressão sobre António Costa que deixou na quinta-feira à noite numa entrevista à SIC.

Na resposta, Costa disse que o Governo “tudo fará para cumprir as metas previstas para o défice orçamental” e embora admita que há uma quota de 20% em que Bloco e Governo não estão de acordo, o primeiro-ministro prometeu fazer tudo “sem sacrificar os 80%” em que estão de acordo.

Catarina Martins haveria também de falar da necessidade de serem alteradas as regras para o acesso à renda apoiada e António Costa lembrou que o seu programa de Governo estipula a necessidade de uma nova política de habitação e uma das apostas é a criação de programas de renda acessível.

O contrabando da direita, segundo Jerónimo
Respondendo às bicadas do CDS, que acusou PCP e Bloco de aceitarem do Governo PS um aumento de apenas um euro mensal nas pensões quando há um ano defendiam aumentos de 25 euros, Jerónimo de Sousa veio precisamente lembrar à direita que o PCP continua a considerar que “em 2016 é possível um aumento real das reformas” e está a “trabalhar para isso”.

Na linha de Catarina Martins, o líder do PCP defendeu que o que preocupa PSD e CDS não é a opinião da UTAO ou da Comissão Europeia, mas sim o “contrabando” que os dois partidos fizeram ao dizerem aos portugueses “que os cortes eram temporários e à Comissão que eram definitivos”. “Enganaram os portugueses e agora estão a tentar esconder.” Jerónimo de Sousa acrescentou que a direita está preocupada com a devolução das “condições de vida e de trabalho” aos portugueses.

O secretário-geral comunista defendeu que, para haver um Estado moderno, os trabalhadores têm que ser valorizados e reconhecidos, tem de haver respeito pelo seu salário, horário de trabalho, conciliação da vida familiar e profissional, valorização de carreiras e o fim dos vínculos precários na administração pública. Mas nem uma pergunta directa de Jerónimo de Sousa se ouviu sobre o prazo de reposição das 35 horas na função pública, que divide Governo, sindicatos e PCP e que motivou a greve desta sexta-feira convocada pelos sindicatos afectos à CGTP.

Na resposta, António Costa concordou com tudo o que disse Jerónimo, defendeu a necessidade de uma “verdadeira gestão de recursos humanos, com valorização das pessoas” na administração pública, e voltou ao seu discurso inicial, em que defendeu a renovação de quadros através da contratação de jovens qualificados.

Mudando de assunto, Jerónimo de Sousa voltou a um tema caro ao PCP: a falta de cobrança de impostos aos mais ricos, que o anterior responsável da Autoridade Tributária estimou no Parlamento há semanas que significará a fuga ao fisco de cerca de três mil milhões de euros. “Uma pipa de massa”, enfatizou o líder comunista, que teve como resposta a promessa de Costa de fazer, ainda este ano, a reforma do sistema fiscal.

Costa: "Não é maquilhagem, é classificação" 
Já no final do debate, em reposta ao líder da bancada socialista, Carlos César, o primeiro-ministro admitiu que a política orçamental “implica tensões várias” com o aumento de rendimentos que o Governo pretende fazer, a “redução da carga fiscal” e as metas com que se comprometeu. Costa reiterou o “espírito construtivo” com que dialoga com a Comissão Europeia, o mesmo com que conversou com os partidos à sua esquerda e os parceiros sociais. “O problema com que estamos confrontados não é maquilhagem, é de classificação”, insistiu, numa referência às medidas que foram consideradas definitivas pela Comissão Europeia. “Essa classificação é estritamente técnica, mas do ponto de vista parlamentar é política e tem a ver com a credibilidade não deste Governo mas do anterior”, rematou. Costa falava em resposta a Carlos César, que fez um conjunto de apreciações negativas sobre orçamento, mas que viria a revelar serem relativas a propostas do anterior Governo PSD/CDS.

O líder da bancada socialista devolveu as dúvidas levantadas ao esboço orçamental do actual Governo com a imagem deixada pelo anterior executivo. “O Governo PSD/CDS tornou-se especialista em vender gato por lebre e agora é preciso reverter a imagem que deu nos últimos anos”, afirmou, acusando o PSD de fazer “propaganda contra Portugal”.

Apesar de admitir que por essa razão, a Comissão Europeia “tem razões” para ter reticências, Carlos Cesar garantiu que o novo Governo “procura agora aproximar-se” do que é exigido por Bruxelas. 

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