As 50 sombras de Justino

O Justino ex-ministro gosta de si próprio e não suporta que haja agora um jovem ministro que chegou e disse que queria corrigir os estragos iniciados pelo ex-ministro.

David Justino desdobra-se, nos últimos dias, por eventos, debates, quadraturas, planos mais ou menos inclinados. Até vai ao parlamento dizer o que pensa. Com tanta actividade, pensamos: “Como será que consegue? Será só um ou terá clones?”

Há, na verdade, vários Justinos, numa luta incansável entre eles e com um único desígnio: a chegada ao poder e o reconhecimento como ministro-sombra. Só que é uma sombra que tem de tapar tantas cabeças que se torna uma sombra múltipla.

Quantos Justinos há, afinal?

Temos, em primeiro lugar, o David Justino a que nos habituámos nos últimos anos: o Presidente do Conselho Nacional de Educação. É o David Justino que faz aprovar recomendações para se lutar contra a retenção, o mesmo que fez um parecer em que valoriza a avaliação formativa, que defende que os exames sobrevalorizaram o Português e a Matemática, com desmerecimento de outras disciplinas. Este é o Justino bonacheirão e gerador de consensos.

Este Justino não conversa com a segunda sombra: o Justino ex-ministro. Este é o que introduziu exames no sistema, sem se saber porquê, e tentando antecipar as medidas do amigo Crato, esse ministro que ele branqueou ao longo de quatro anos. O Justino ex-ministro gosta de si próprio e não suporta que haja agora um jovem ministro que chegou e disse que queria corrigir os estragos iniciados pelo ex-ministro. Este é o Justino azedo e zangado, que destila fel quando fala.

Há ainda o ministro sociólogo. Aquele que tem uma rede de escolas financiadas pelo Ministério da Educação, que continua a alimentá-lo e que ele diz que são excelentes (por acaso, também financia autarquias PSD com esses dinheiros). O Justino sociólogo tem a rede montada desde 2008 e escreve e diz que as metas que as escolas têm de estabelecer se baseiam na construção de planos pedagógicos, na diferenciação pedagógica e numa intervenção nos processos. Este é o Justino que se lembra de estudar e que tem uma reputação académica a defender e que por isso se exime de vomitar non-sense sobre educação.

Este último Justino não dialoga com o comentador televisivo. O comentador defende os exames como medida para melhorar a escola (suscitando olhares desiludidos do Justino sociólogo), defende que a aferição gera desigualdade social (para grande surpresa do Presidente do CNE), confunde rotinas de treino com treino específico para provas (desiludindo o ex-ministro, que até era um tipo convencido) e defende que, afinal, o Português e a Matemática são mais importantes do que as outras disciplinas. Às vezes o ex-ministro encontra-se com o comentador, mas o sociólogo sério vira-lhe sempre as costas e o Presidente do CNE fica embaraçado. Este comentador é o Justino que promove a ignorância e o discurso fácil e que bebe shots à noite com o tudólogo Medina Carreira.

De onde saiu o comentador? Das trincheiras do PSD, escavadas em Belém por aqueles que, tal como ele, foram convidados para assessores do Cavaco, o grande liquidatário de Portugal.

Destas sombras se faz um Justino só, guerrilheiro do seu partido e que põe o seu partido à frente da boa figura que já fez e podia estar a fazer, construindo pontes numa área tão central para o país como a educação, sobretudo numa altura em que se reverte tanto estrago que estava a ser feito e se devolve a confiança à escola e aos professores.

Professor

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