A última prenda de Cavaco Silva

Existem só dois argumentos, já há muito gastos pelos conservadores, mas que se traduzem numa panóplia argumentativa de Cavaco Silva

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Cavaco Silva deixou-nos uma prenda, um dia antes das eleições presidenciais. Como sempre, a prenda não foi das melhores, mas isso também já era expectável. Vetou a lei da adopção por casais homossexuais, devolvendo-a à Assembleia da República, mais uma vez para discussão.

Li e reli quais os argumentos utilizados para vetar algo que estava mais do que decidido democraticamente na assembleia. Existem só dois argumentos, já há muito gastos pelos conservadores, mas que se traduzem numa panóplia argumentativa de Cavaco Silva. O mesmo repete, ao longo do comunicado da Presidência da República, seis vezes o mesmo argumento: “O interesse das crianças”. O outro argumento que repete, também umas quantas vezes, é a necessidade de ouvir os “especialistas”. Falemos dos dois.

O primeiro é extraordinário, pois sinceramente gostava de saber como é que alguém ainda defende a ideia de que a adopção por casais do mesmo sexo não protege o “interesse das crianças”. Falamos deste tão grande interesse quando as crianças estão institucionalizadas, ou quando sofrem maus tratos ou quando são abandonadas? Nestes casos, não se vêm tantas pessoas preocupadas com o “interesse das crianças”, a começar pelo próprio Presidente da Republica.

Há que perceber que o interesse das crianças é poder viver com um casal heterossexual ou homossexual, ou até com uma família monoparental, não se devendo restringir a ideia de que só há protecção do interesse das crianças numa família tradicional contemporânea. Há pessoas que têm condições para adoptar, que possuem capacidades de produzir efeitos em largo espectro, muito positivos, embora sendo do mesmo sexo. Deixemos de ver o caminho olhando apenas para o lado tradicional; há que olhar para todos os lados e ver que existem tantas crianças institucionalizadas, que só querem um lar, amor e segurança nas suas vidas futuras. Os direitos destas crianças podem ser perfeitamente assegurados por casais do mesmo sexo.

O segundo argumento, também ele muito interessante, é a existência de “especialistas” que formulam teses, teses essas com um argumento transversal a todas, argumento esse que cala qualquer um. Esse é um argumento que nos põe a pensar, que nos faz reflectir e que nos faz cogitar.

O argumento singular do “interesse das crianças”. Andamos a puxar e repuxar só dois argumentos, passamos da assembleia para a aprovação na especialidade, do veto para nova apreciação na Assembleia. Trata-se de um ciclo vicioso, em que baseamos a nossa argumentação em dois pontos que se tornam redundantes. 

Basicamente gasta as mesmas palavras, os mesmos argumentos e as mesmas ideias, e ficamos mais uma vez nas mãos com o legado que Cavaco Silva deixa; legado esse que se traduziu sempre no mesmo: dizer pouco ou nada, mas quando se pronuncia é sempre negativamente para o bem geral da sociedade.

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