Segunda circular, em Lisboa, vai ter “uma bateria” de radares

Debate na Ordem dos Engenheiros evidencia as várias dúvidas que muitos têm sobre projecto, concretamente a sua integração - ou não - num modelo de mobilidade que abranja toda a cidade.

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Fotomontagem das alterações propostas

O vereador das Obras Municipais da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, reafirmou na segunda-feira ao final do dia que a Segunda Circular, via que será intervencionada a partir de Junho, terá “uma bateria de radares” para controlar o limite de velocidade, não especificando porém quantos serão colocados.

O anúncio foi feito pelo autarca durante um debate sobre a obra, que decorreu na Ordem dos Engenheiros, em Lisboa, tendo Manuel Salgado acrescentado que os controladores de velocidade actualmente existentes naquela via “começaram a funcionar há um mês e pouco”.

O autarca lisboeta respondia assim ao presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Manuel Trigoso, que defendeu que “diminuir a velocidade exclusivamente pela monitorização via radar não é fácil”.

“Conseguir reduzir a velocidade de toda a gente que circula naquela via é complexo se não houver alteração do traçado”, sustentou o dirigente.

A Câmara de Lisboa prevê a diminuição da velocidade de circulação na segunda circular de 80 para 60 quilómetros/hora.

Até sexta-feira, está em consulta pública o projecto da maioria PS no executivo para diminuir o tráfego de atravessamento na Segunda Circular, através da reformulação de alguns acessos e dos nós de acesso ao IC19 (itinerário complementar) e à A1 (auto-estrada), encaminhando o trânsito para a CRIL (Circular Regional Interior de Lisboa).

Prevê-se também a implantação de um separador central maior e arborizado (com mais de 500 exemplares), a plantação de 7500 árvores na envolvente, a redução da largura das vias (onde ainda não se verifica), a montagem de barreiras acústicas, a reabilitação da drenagem e do piso, a renovação da iluminação pública e da sinalética.

Orçadas em 12 milhões de euros, as obras devem iniciar-se em Junho, durando 11 meses.

Manuel Salgado afirmou também que actualmente atravessar aquela via lisboeta a 80 quilómetros/hora demora pouco mais de sete minutos, enquanto fazê-lo a uma velocidade de 60 quilómetros/hora demora 10 minutos, considerando quer isso não põe em causa a “imprescindível [necessidade de] diminuir a sinistralidade”.

No debate, que contou com uma audiência de mais de uma centenas de pessoas e que encheram o auditório da sede da Ordem dos Engenheiros, foi também criticado o desvio do trânsito para vias dentro da cidade de Lisboa por parte do antigo vereador da autarquia Nunes da Silva.

“As pessoas vão fazer o triplo dos quilómetros para chegar ao mesmo sítio”, considerou, defendendo uma “abordagem muito mais integrada do que é a mobilidade em Lisboa, e não só da Segunda Circular”.

Em cima da mesa esteve ainda a questão do ruído provocado pela grande afluência de automóveis. Francisco Ferreira, do Colégio de Engenharia do Ambiente da Ordem dos Engenheiros, considerou que a diminuição dos valores em causa será “significativa”, representando uma redução de três decibéis por parte da alteração do pavimento, 3,5 por via da diminuição da velocidade e um decibel devido ao desvio do tráfego.

Também no painel de oradores esteve o especialista em ordenamento e integração urbana António Pais Antunes, que se queixou da falta de “informação de maior qualidade” relativamente ao projecto, e recusou a ideia de que a arborização do separador central da estrada possa interferir com a aviação.

“Parece-me que estamos todos a delirar”, ironizou, sustentando que “a taxa de acidentes graves por causa de aves é de um por cada mil milhões de horas de voo”.

Já o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, apontou que “durante as obras [a circulação] vai ser um pandemónio”, apesar de os trabalhos serem realizados à noite, mas reconheceu a necessidade de resolver “os entrecruzamentos”, que a seu ver são o principal problema daquela via.

Câmara já recebeu mais de 250 contributos
Antes do início do debate, Manuel Salgado disse aos jornalistas que “a consulta pública está a correr bastante bem, tem havido um nível de adesão muito grande. Até ao dia 15 [de Janeiro] já havia cerca de 250 pronúncias, hoje já há mais porque foi prolongado o prazo. Eu diria, como primeiro balanço, que entre aqueles que são totalmente contra, apresentando argumentos, e aqueles que são totalmente a favor, se equilibram.

O autarca assinalou que “há um pouco de tudo [nestas participações], mas são essencialmente munícipes”.

“É normal, porque tem sido passada indevidamente uma ideia de que vamos criar o pandemónio na Segunda Circular. E, na realidade, o que se vai fazer é melhorar as condições de fluidez”, assegurou.

Segundo Manuel Salgado, 20% das pronúncias referem-se à plantação de árvores no separador central e na envolvente, 14% aos eventuais constrangimentos no trânsito, 13% à diminuição da velocidade (passa de 80 para 60 quilómetros/hora).

Acrescem 10% que temem a redução das faixas de rodagem e 8% que defendem a existência de pistas cicláveis, que não consta do projecto.

Apesar de existirem “reticências e dúvidas”, o responsável garantiu que “não vão ser alteradas as faixas de rodagem nem as vias”, vão antes “ser melhoradas todas as entradas e saídas”.

Prevê-se também a alteração da saída da Segunda Circular para a Azinhaga das Galhardas, mas essa mudança “está condicionada” e só será feita “quando houver uma alternativa”.

Manuel Salgado adiantou que “a Câmara não é irredutível em nada”, pelo que admite alterações ao projecto.

Projecto "foi feito em cima do joelho"
Numa conferência de imprensa durante a tarde de ontem, o presidente do Partido da Terra (MPT) criticou o projecto para a requalificação da Segunda Circular por considerar que “foi feito em cima do joelho” e “tem riscos para a segurança das pessoas”.

“Trata-se de um mero Photoshop, mas que na prática não é exequível porque traz alguns riscos para a segurança das pessoas”, disse José Inácio Faria.

O também eurodeputado considera que o projecto não foi “ponderado o suficiente”, que “pouco ou nenhuns estudos foram feitos” e que o plano carece de “sustentabilidade técnica”.

Para José Inácio Faria, o estreitamento das vias “vai trazer engarrafamentos brutais” à Segunda Circular e os automobilistas não têm alternativas porque a CRIL (Circular Regional Interior de Lisboa, o Eixo Norte-Sul e a CREL (Circular Regional Exterior de Lisboa) “não são alternativa” porque também estão congestionadas.

Lamentando que a câmara não tenha ouvido os lisboetas, nem técnicos e que não haja estudos de impacto ambiental, o presidente do MPT (partido com um assento na assembleia municipal) defendeu ainda que as oito mil árvores que a autarquia pretende colocar (no separador central e na envolvente) não serão as mais corretas porque são de “folha caduca”, logo propícias a tornar o piso mais escorregadio.

“Além disso, vai implicar que traga também fauna e as aves perto do aeroporto trazem problemas acrescidos”, acrescentou, corroborando alertas já feitos por organismos do setor da aviação.

Referindo-se às entidades com quem teve reuniões, disse que a tónica de todas “foi a segurança, tanto para automóveis como para aviões”, bem como o facto de “não terem sido ouvidas”.

“Não consigo compreender como numa intervenção destas, numa das artérias principais de Lisboa de ligação com o norte e a zona oeste, estas entidades não foram ouvidas”, frisou.

O líder do MPT fez saber que vai apresentar duas questões aos comissários europeus do Ambiente e dos Transportes acerca desta matéria e assegurou que vai envidar todos os esforços para que este tipo de projectos tenha uma outra abertura e outro procedimento, mais junto das populações.

“Não percebo como é que o presidente se propõe a tomar uma decisão destas sem ouvir as pessoas e sem sequer ter em consideração a posição da sociedade e dos especialistas”, afirmou, acrescentando que se está “numa sociedade democrática e as forças democráticas da sociedade têm de ser ouvidas”.

Afirmando que este projecto foi “feito em cima do joelho”, o presidente do MPT disse esperar que o presidente da câmara, Fernando Medina (PS), tenha “o bom senso de voltar atrás e fazer as coisas como deve de ser”.

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