Cimeira Atlântica vai reforçar lóbi das autonomias

Açores e Madeira reatam no final do mês o diálogo institucional e político, depois de mais de uma década de costas voltadas. As duas regiões ensaiam uma reaproximação, para poderem falar a uma só voz em Lisboa e em Bruxelas

Miguel Albuquerque com Alberto João Jardim
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A nova geração de líderes regionais vai enterrar uma década de costas voltadas DR
Vasco Cordeiro é criticado por ter feito parte do Governo de Carlos César
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Vasco Cordeiro é criticado por ter feito parte do Governo de Carlos César Carlos Lopes/Arquivo

Mais de uma década depois do último encontro, e depois de anos de relacionamento marcado por clivagens políticas, os governos dos Açores e da Madeira vão reatar o diálogo institucional através da realização, no final deste mês, de uma Cimeira Atlântica, no arquipélago açoriano.

O encontro, que foi sugerido em Agosto passado pelo chefe do governo dos Açores, Vasco Cordeiro, e prontamente aceite pelo homólogo madeirense Miguel Albuquerque, decorre entre os dias 30 de Janeiro e 2 de Fevereiro, e compreende uma passagem por quatro das nove ilhas açorianas: São Miguel, Faial, Terceira e Pico.

A agenda ainda não foi fechada, mas sabe-se que as relações das autonomias com o Estado, as ligações marítimas entre os dois arquipélagos, transportes, ensino superior, economia, turismo, saúde e questões europeias serão objecto de protocolos a celebrar no decurso da cimeira, que irá encerrar com uma declaração política conjunta.

As duas regiões autónomas, reconheceu já o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus madeirense, Sérgio Marques, têm andado de “costas voltadas”, quando têm tudo a ganhar com o “estreitamento e reaproximação”, quer no plano nacional, quer no plano europeu.

“O estreitamento de posições, o reforço da cooperação e diálogo político pode trazer vantagens no quadro com a União Europeia, mas obviamente no quadro da relação com o país e pátria comum”, argumenta o número dois do governo madeirense, adiantando que o objectivo da cimeira é reatar o diálogo e a cooperação política e económica.

Nos Açores existe o mesmo entendimento. O executivo liderado pelo socialista Vasco Cordeiro defendeu, no final do ano passado ao PÚBLICO, que as relações entre as duas regiões devem ganhar uma maior “proximidade e visibilidade”.

Este encontro, adiantou o gabinete da presidência açoriana, será um passo significativo para um melhor conhecimento mútuo dos desafios em que estão envolvidas as duas regiões autónoma. O Palácio de Sant’Ana, sede do governo açoriano, fala mesmo de uma “abordagem” partilhada de assuntos comuns, ao mesmo tempo que Sérgio Marques sublinha que, ao falarem a uma só voz “no maior número de áreas possível”, Madeira e Açores podem actuar “concertadamente junto da República”.

Do Funchal, além de Miguel Albuquerque e Sérgio Marques, viajam para os Açores os responsáveis pelas pastas do Ambiente e Recursos Naturais (Susana Prada) e da Economia, Turismo e Cultura (Eduardo Jesus).

“A cimeira será histórica porque a última ocorreu há muitos anos”, lembrou Sérgio Marques, referindo-se aos encontros periódicos entre Açores e Madeira, durante as lideranças de Mota Amaral e Alberto João Jardim.

As relações entre ambos os líderes regionais, apesar de nem sempre pacíficas, tinham a proximidade da cor politica, e as cimeiras regulares foram marcando a agenda política nacional, quase sempre por via de reivindicações e exigências de mais reforço para as autonomias.

Uma década de costas voltadas
Com a saída de Mota Amaral e a chegada de Carlos César, as diferenças políticas com Alberto João Jardim arrefeceram o relacionamento institucional, ao ponto de ambas as regiões adoptarem caminhos e estratégias diferenciadas na Assembleia da República e na União Europeia.

As clivagens entre ambos agudizaram-se durante os governos de José Sócrates. Jardim acusava o ex-primeiro-ministro de beneficiar os Açores através das transferências do Orçamento de Estado, e quando a Lei das Finanças Regionais foi revista protestou contra a redução de verbas destinadas ao Funchal, considerando ser uma discriminação pelo facto do PSD governar na Madeira. O socialista Carlos César contrapôs com o “despesismo” do executivo madeirense, comentando que, com Jardim, as autonomias não precisavam de mais inimigos.

O fosso entre os dois arquipélagos cresceu nos últimos anos de Jardim, com Funchal e Ponta Delgada a viraram definitivamente as costas, quando foi tornada pública a dívida oculta madeirense. Carlos César demarcou-se da situação, insistindo que os Açores não eram a Madeira.

Um distanciamento que Vasco Cordeiro, que preside o executivo açoriano desde Novembro de 2012, e Miguel Albuquerque, à frente dos destinos madeirenses desde Abril do ano passado, pretendem agora esbater, mesmo não pertencendo à mesma família política.

“É óbvio que há diferenças, mas temos que privilegiar aquilo que nos une”, defendeu Sérgio Marques, sem se comprometer com um calendário para futuros encontros. “No decurso da cimeira vamos ver se faz sentido estabelecer uma periocidade para o nosso diálogo político”, explicou.

Esta aproximação já está a ser sentida em Lisboa. Na semana passada, um dia depois de terem perdido os cargos no Grupo Parlamentar do PSD por terem violado a disciplina de voto, os deputados eleitos pela Madeira voltaram a votar diferente da bancada social-democrata, viabilizando uma proposta do parlamento açoriano, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

Perante o chumbo do PSD e do CDS, a abstenção dos três deputados do PSD-Madeira e dos dois do PSD-Açores foram decisivos para viabilizar o diploma, que tinha sido aprovado por unanimidade na Assembleia dos Açores, e que mereceu os votos favoráveis do PS, PAN e Bloco de Esquerda e abstenção do PCP e de ‘Os Verdes’.

Sara Madrugada da Costa, cabeça de lista do PSD madeirense nas últimas legislativas, já tinha defendido, em entrevista ao PÚBLICO, que as duas regiões precisam de estar unidas em São Bento. Existe em Lisboa, disse a deputada, um lóbi contra as transferências de verbas para as regiões, e é preciso contrariá-lo.

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