O presidente foi para França e a freguesia ficou dividida

Em Parada do Bouro, no concelho de Vieira do Minho, há quem considere “uma vergonha” que António Silva tenha voltado a emigrar depois de ter ganho a junta. Mas o autarca também tem apoiantes, que asseguram que os problemas da aldeia continuam a ser resolvidos mesmo à distância.

Fotogaleria
A oposição fala de uma “junta fantasma” mas há quem diga que “não é problema nenhum” Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido

Maria dos Prazeres está a podar as roseiras. O barulho da tesoura quebra o silêncio de uma manhã húmida em Parada do Bouro. Na rua quase não se encontram pessoas e são ainda mais escassos os automóveis que passam em frente à junta de freguesia. O edifício fica mesmo ao lado da sua casa e a vizinha não se coíbe de apresentar a posição sobre o tema de que, por estes dias, divide esta aldeia do concelho de Vieira do Minho. O presidente da autarquia, António Silva, eleito pelo PS, emigrou para França. A sua “número dois” trabalha em Lisboa e o terceiro elemento do executivo pediu a suspensão de mandato. O movimento independente na oposição fala numa junta “fantasma”.

Tal como o presidente da junta, Maria dos Prazeres esteve emigrada. Durante duas décadas trabalhou no Luxemburgo, onde teve uma pensão e vários restaurantes. Ainda tem por lá os filhos e percebe que António Silva tenha tido necessidade de ir “ganhar a vida”, voltando a França, onde já antes tinha trabalhado como encarregado de construção civil, num momento em que a economia voltou a piorar em Portugal. Ela própria está a pensar fazer o mesmo ainda este ano. Todavia, diz sentir-se defraudada, depois de há dois anos, nas eleições autárquicas, tenha votado no PS, ajudando a eleger o autarca. “Acho que ele devia sair da junta, já que não está cá”, afirma.

A vizinha da sede da junta de freguesia é uma das poucas habitantes de Parada do Bouro que se mostra disponível para acrescentar o seu nome à opinião sobre o assunto. Percebe-se que o tema é sensível: toda a gente tem alguma coisa a dizer, mas teme que a posição melindre o outro lado. Há quem fale em “vergonha” para a freguesia ou em “batota” eleitoral. Outros acusam o movimento Independentes Unidos por Parada, que perdeu as últimas autárquicas, de “não ter engolido” o resultado e usar este caso para tentar chegar ao poder. Quase todos pedem, no entanto, anonimato.

A aldeia, nas margens do rio Cávado, bem perto da barragem de Caniçada, é pequena – tem menos de 8 quilómetros quadrados e 469 habitantes, segundo o último censo – e está desavinda. Pergunta-se a Maria dos Prazeres onde se encontra gente àquela hora e ela aponta na direcção dos cafés, no topo da principal rua da freguesia. São dois estabelecimentos, um de cada lado da estrada. Também ali há divisões: “um é de um amigo do presidente de junta o outro é de um familiar do líder da oposição”.

No café Cruzeiro, a TV de ecrã plano está ligada num dos programas matinais dos canais generalistas. Parece haver vida ali dentro, mas os minutos passam e, atrás do balcão, não surge ninguém. A junta de freguesia parece não ser o único lugar “fantasma” em Parada do Bouro. Do outro lado da rua, o café Testamento tem dois clientes, que parecem já ter sido atendidos há muito. Jaime Silva, o proprietário tem, por isso, tempo para afirmar que está entre os habitantes que estão ao lado do líder da autarquia local. “Ser presidente de junta não é nenhum emprego e o homem precisa de ganhar dinheiro”, defende.

A ausência de António Silva no quotidiano de Parada do Bouro “não é problema nenhum” para a freguesia. “Sempre se resolveram os problemas”, afiança o dono do café Testamento. Uma outra vizinha da sede da junta, que também pediu anonimato, confirma esta ideia. Recentemente teve que fazer prova de vida e conseguiu resolver o assunto na autarquia sem problemas: “Eu por mim não tenho que dizer. Os outros não sei”.

O edifício da junta de freguesia, construído em meados da década de 1990, parece uma vivenda de um só piso. Há um portão que separa o pequeno relvado do edifício da estrada, um alpendre com chão em tijoleira e persianas cor-de-vinho, completamente fechadas. As letras afixadas sobre uma das janelas não permitem, porém, que sobrem dúvidas de que aquela é a sede do poder autárquico em Parada do Bouro. Na vitrina da entrada, há um cartaz em tons de vermelho, verde e amarelo, anunciando as eleições para a Presidência da República que se realizam neste domingo, bem como os editais com a constituição das secções de voto para o escrutínio nacional. Ao lado, uma folha branca anuncia o horário de abertura daquele espaço. A junta atende a freguesia três vezes por semana: às terças e quintas-feiras, das 15h00 às 19h00, e aos sábados, das 16h00 às 18h00.

Naquele momento, ainda meio da manhã, a sede da freguesia estava ainda encerrada. Da parte da tarde, Patrick Rocha, um dos dois funcionários que estão ao serviço nos dias de semana, atende o telefone ao PÚBLICO. “Os assuntos resolvem-se rapidamente”, afiança, tentando afastar a ideia de que a autarquia não esteja em funcionamento pleno pelo facto de o presidente de junta estar emigrado. “Eu trato da recepção, das papeladas, de preparar o que é preciso para o executivo resolver. O meu colega está mais ligado à parte das obras”, conta.

Aos sábados, há sempre um elemento da junta de freguesia no horário de atendimento. O presidente da junta, António Silva – com quem foi impossível estabelecer um contacto directo apesar das várias tentativas ao longo da última semana –, regressa de França pelo menos uma vez por mês. A secretária do executivo lista, Raquel Silva, trabalha em Lisboa, regressando à terra-natal a cada duas semanas.

Já o tesoureiro Miguel Lopes – que substituiu o anterior detentor do cargo, Narciso Rodrigues, que pediu a suspensão de mandato por um ano, há nove meses – é o único elemento que vive permanentemente na freguesia. Acaba, por isso, por ser o eleito mais presente. Tem uma oficina de reparação de automóveis a cerca de 5 quilómetros de Parada de Bouro. Quando há algum assunto urgente é a ele que os funcionários da junta recorrerem. “Ligo-lhe e em cinco minutos está cá”, garante o funcionário Patrick Rocha.

“Os funcionários não têm todos os poderes de um presidente de junta”, contrapõe Paulo Silva, líder do movimento independente que perdeu as eleições para a junta de freguesia por 31 votos. Desde o início de 2014 que tem vindo a denunciar o caso da “junta fantasma” como lhe chama. Na altura, escreveu um artigo de opinião no Jornal de Vieira intitulado “Obviamente, demita-se!” em que exigia a demissão de António Silva. Desde então, já apresentou “vários requerimentos para discutir uma moção de censura” e forçar António Silva à demissão, mas a maioria absoluta de mandatos do PS na Assembleia de Freguesia tem rejeitado sempre estas tentativas.

No início do mês, o temporal provocou derrocadas que impediram o trânsito de caminhos e deixaram casas em perigo. “Teve que ser a câmara a coordenar a situação porque não temos junta de freguesia”, lamenta Paulo Silva. Foi o motivo pelo qual voltou a reclamar contra a situação “bizarra” que se vive em Parada de Bouro. Desta vez, o assunto ganhou algum relevo, atraindo a imprensa nacional, e fazendo ressurgir os debates que dividem a freguesia. Mas sem provocar alterações na composição da junta. 

Sugerir correcção
Comentar