Por Sampaio da Nóvoa

Uma democracia que se esgote nos partidos é extremamente redutora.

Vou votar em Sampaio da Nóvoa. Sou, como ele, independente – nunca militei ou apoiei qualquer partido político. E isso nada me diminui como cidadão nem nunca coibiu a minha participação política e cívica. Na eleição para a Presidência da República podemos escolher directamente candidatos de fora dos partidos. Vou votar em Sampaio da Nóvoa porque a eleição de um cidadão independente para Presidente representa o amadurecimento da nossa democracia. Nada tenho em abstracto contra os partidos – embora tenha muitas coisas concretas contra o que tem sido o comportamento dos partidos, que têm ocupado de uma forma tão excessiva quanto fútil o espaço político nacional. Mas uma democracia que se esgote nos partidos é extremamente redutora. A eleição uninominal para a Presidência parece-me uma excelente oportunidade para que mais cidadãos sintam que a democracia é sua.

Rompido o cerco atrofiador da austeridade, abriu-se, de facto, um novo ciclo político – finalmente temos discussões vivas na Assembleia da República, que deixou de ser uma mera caixa de ressonância de um governo autocrático. Estamos a entrar num tempo de normalidade e acho perfeitamente normal – diria mesmo o cúmulo da normalidade - que seja eleito um independente para arbitrar o jogo político. Estou certo que Sampaio da Nóvoa será isento: deixará a Assembleia e o governo exercerem as funções que constitucionalmente lhes estão cometidas.

Mas não votarei em Sampaio da Nóvoa apenas por ele ser independente e isento. Votarei nele porque, uma vez eleito, saberá transmitir ideias mobilizadoras. O Presidente pode não ter, aparte situações de crise, muitos poderes, mas tem sempre o poder da palavra. E as palavras importam: traduzem ideias e determinam o futuro. São as palavras que nos orientam no meio da incompreensão e da incerteza. As palavras que queremos ouvir como fazedoras de futuro são, com certeza, democracia, liberdade, solidariedade, mas são também ciência, educação e cultura. E todas essas palavras têm sido ditas, sem dúvidas nem equívocos, por Sampaio da Nóvoa.

Antero de Quental, no manifesto de 1871 que anunciava as Conferências Democráticas, co-assinado com Eça de Queirós, falava da necessidade de “agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna”. Em Causa da Decadência dos Povos Peninsulares Antero escreveu: “A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos. Hoje tornou-se claro que não há futuro sem conhecimento. O extraordinário desenvolvimento da sociedade humana nos tempos modernos deveu-se precisamente à ciência. Sampaio da Nóvoa como Reitor da Universidade de Lisboa colocou a ciência à cabeça. Ciência é uma palavra de futuro.

Mas, se o nosso atraso vem da falta de ciência, de onde vem a falta de ciência? Volto a Antero: “Dessa educação, que a nós mesmo demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes.” O nosso défice de ciência veio do nosso défice de educação, outra palavra sem a qual não há futuro. Ficámos feridos com a nossa falta de escola no século XIX. O caso do atraso educativo português faz aliás parte dos livros de história do desenvolvimento. David Landes, economista de Harvard, apontou o dedo ao nosso analfabetismo na sua obra A Riqueza e Pobreza das Nações:O contraste no analfabetismo entre os países do Sul e os do Norte da Europa é indubitavelmente grande. Por volta de 1900, 3% da população da Grã-Bretanha era analfabeta, o número para a Itália era 48%, para Espanha 56% e para Portugal 78%”. O défice de qualificações é hoje o grande drama nacional que urge superar. Ainda temos 5% de analfabetos e a percentagem de pessoas com um grau de ensino superior não chega aos 17%. Apesar dos progressos recentes, continuamos na cauda da Europa na qualificação da população activa. Sampaio da Nóvoa lembra-nos que falta ao nosso país uma escola que persista no trabalho e que prepare para o trabalho persistente.

Finalmente, a terceira palavra de futuro: cultura, ao mesmo tempo condição e resultado da ciência e da educação. Na linha da Questão Coimbrã, os republicanos preocuparam-se com a cultura. António Sérgio, o pedagogo que foi ministro da Educação na Primeira República, afirmou: “o problema da cultura, o problema da mentalidade: este é, se me não engano, o problema característico de Portugal moderno, e o mais grave dos problemas da sociedade portuguesa.” Sophia Breyner Andresen, a poeta que foi deputada na Constituinte, explicou:perante a política a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder”. E Alexandre O’Neill, o poeta amargurado e irónico, resumiu: “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo/ golpe até ao osso, fome sem entretém.” Sampaio da Nóvoa leu e lembra-nos as palavras deles.

Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

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