Parlamento homenageou o “democrata exemplar” e "cavalheiro da política"

Todos os partidos fizeram intervenções elogiosas e emotivas sobre António de Almeida Santos.

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António Almeida Santos foi presidente da Assembleia da República durante sete anos Carlos Lopes/Arquivo

Foram muitos, rasgados e eloquentes os elogios que António de Almeida Santos recebeu esta quarta-feira de todos os partidos na Assembleia da República, numa evocação que trouxe alguma emoção ao plenário e a que assistiu nas galerias a família do presidente honorário do PS, cuja cerimónia fúnebre acontecera pouco antes.

Eduardo Ferro Rodrigues fez questão de ler o voto de pesar que redigiu e propôs à Assembleia e que foi aprovado por unanimidade. Depois do minuto de silêncio em homenagem ao antigo presidente do Parlamento, Almeida Santos foi ovacionado de pé durante largos momentos por todos os deputados. No documento, Almeida Santos é considerado "um dos grandes estadistas da democracia portuguesa e um dos seus mais destacados arquitectos".

"Almeida Santos viveu até ao seu último dia empenhado na causa da sua vida: a causa da cidadania", leu Ferro Rodrigues, descrevendo-o como um "lutador pela liberdade" e "protagonista dos três D do 25 de Abril: Democracia, Descolonização e Desenvolvimento".

Além dos cargos políticos que desempenhou - foi ministro oito vezes, deputado em nove legislaturas, presidente do PS durante 19 anos e presidente da Assembleia da República por sete anos - os elogios que se ouviram foram sobre a sua forma de estar na vida e o modo como transpôs o seu carácter para a acção política. Recordou-se a sua combatividade contra a ditadura, a "grande competência política e o inegável patriotismo".

O voto do Parlamento descreve-o como "humanista", "advogado e jurista reputado e culto, escritor e intérprete do fado de Coimbra", "um grande legislador da democracia", "democrata exemplar", "generoso, conciliador, presente e solidário". Prestigiou o Parlamento como nenhum outro presidente e modernizou a chamada "casa da democracia", mandando instalar o acesso à internet e lançar o canal televisivo Parlamento, e desenvolver o projecto do Parlamento dos Jovens.

Das bancadas parlamentares, da esquerda à direita, vieram os mesmos e novos louvores sentidos. Depois de André Silva, do PAN, o ter considerado um dos políticos mais importantes do país que continuará a "inspirar-nos a ser e a fazer cada vez melhor", a ecologista Heloísa Apolónia falou de improviso para recordar um episódio do seu deslumbramento ao ouvi-lo cantar o fado e para o considerar um "homem de profundíssimos afectos e atitude afável", que deixa "muitos escritos e memórias, desafios para outras gerações, de ordem ecológica e sobre a globalização".

O comunista António Filipe assinalou o "papel relevantíssimo" na adaptação do país ao Estado democrático ao produzir leis estruturantes do regime pós-25 de Abril, a intervenção na modernização do Parlamento - "há um antes e um depois de Almeida Santos não só nas condições de trabalho para os deputados como no contacto com os cidadãos" - a obra literária de um grande pensador que, "concorde-se ou não com ele, estimula a capacidade de reflexão", e a "enorme coragem política e pessoal".

O centrista Pedro Mota Soares destacou a "cordialidade democrática e parlamentar" de Almeida Santos que a todos tratava por igual sem olhar a idade, estatuto ou ideologia política, e mesmo que tivesse ideias diferentes, até mesm antagónicas, defendia-as com "elegância, respeito e inegável sentido de humor". Pedro Filipe Soares, do BE, recordou a sua capacidade de "fazer pontes" tanto no período de transição para a democracia como na liderança da Assembleia da República, e citou o próprio Almeida Santos para enunciar a sua importância como "legislador" - de que salientou a sua contribuição para o código civil que "abriu portas para a emancipação das mulheres e para a igualdade de género".

A intervenção visivelmente mais emocionada veio do PSD: Luís Marques Guedes que dele disse ser um "homem de excepção", "jurista de excelência, democrata indefectível, contundente mas respeitador dos seus adversários", com uma "insuperável" dimensão humana. "Um cavalheiro da política." "A Assembleia da República perdeu um dos seus grandes, muitos de nós perdemos um amigo", vincou Marques Guedes.

A ideia de uma "figura maior" da história da democracia portuguesa foi também deixada pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. "Figura maior, lutador da liberdade, arquitecto da democracia, um coração gigante", disse Pedro Nuno Santos. Destacou o seu papel "central na construção democrática", na descolonização, na afirmação do PS na sociedade portuguesa, e o apoio à actual solução de Governo. Depois de o considerar "um dos maiores e melhores socialistas portugueses", Pedro Nuno Santos despediu-se: "Até sempre, presidente!".

Pelo PS, coube a Jorge Lacão a evocação. "Não morrem as pessoas cuja grandeza de vida as coloca acima e para além do seu tempo", disse o deputado lembrando o "patriota e uma das maiores figuras da República democrática", o "maior legislador do regime democrático" que merece no Parlamento um "lugar de panteão".

Três horas antes, deputados, funcionários e colaboradores da Assembleia juntaram-se na escadaria da porta principal para ver passar o cortejo fúnebre que levou o corpo de António de Almeida Santos da Basílica da Estrela para o cemitério do Alto de S. João, onde foi cremado. Na altura foi ovacionado e havia mesmo quem chorasse a morte do antigo presidente do Parlamento.

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