Ettore Scola (1931-2016) O cineasta do amor por Itália

O realizador de Tão Amigos Que Nós Éramos, Um Dia Inesquecível e de Feios, Porcos e Maus morreu em Roma aos 84 anos.

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Ettore Scola fotografado em 2015 no Festival de Cinema de Roma. AFP / TIZIANA FAB
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Mastroianni e Loren em Um Dia Inesquecível

Ettore Scola, que morreu terça-feira aos 84 anos de idade, era um dos nomes internacionalmente mais populares do cinema italiano, e um dos últimos representantes das décadas gloriosas em que a chamada “comédia à italiana” era um dos géneros mais vivos, mais vibrantes, de todo o cinema europeu.

Formado em Direito, Scola entrou cedo no mundo do cinema, e em meados da década de 1950, ainda com vinte e poucos anos, já era um dos argumentistas mais activos e requisitados do cinema italiano. Mas se a sua obra como argumentista para filmes de outros realizadores tem uma especial importância, foi com a passagem à realização em nome próprio, sucedida em 1964 com um filme intitulado Si Permetette Parliamo di Donne (Se Derem Licença Falemos de Mulheres), que o seu nome se começou a implantar decisivamente na vista e no espírito dos espectadores de cinema.

O seu auge terá ocorrido durante as décadas de 1970 e 1980, com um punhado de filmes que permaneceram no imaginário popular, em Itália e no estrangeiro – inclusive em Hollywood, que por quatro vezes nomeou filmes seus para o Óscar de melhor filme estrangeiro, embora nunca o tenha premiado. Premiado, sim, foi em Cannes, em 1976, por aquele que provavelmente ficou como o seu filme mais famoso, Feios, Porcos e Maus, uma espécie de paródia ácida e triste sobre os estereótipos “miseráveis” da corrente neo-realista que nunca deixou de caracterizar parte do cinema italiano.

Mas outros filmes seus merecem ser mencionados, sobretudo aqueles em que trabalhou com os grandes vultos da “comédia à italiana”, de Ugo Tognazzi (O Comissário Pepe, de 1969) a Alberto Sordi (com quem filmou quatro vezes), Vittorio Gassman ou Marcello Mastroianni. Gassman e Mastroianni interpretaram, de resto, vários dos seus melhores filmes, de C’Eravamo Tanti Amati ( Tão Amigos que Nós Éramos), de 1974, a Una Giornata Particolare (Um Dia Inesquecível), de 1977, que juntava Mastroianni e Loren para uma história melancólica ambientada durante a visita de Hitler a Roma em 1938.

A História era, aliás, um dos terrenos predilectos de Ettore Scola, que diversas vezes mergulhou no passado recente italiano como inspiração, e por vezes foi mais longe e mais atrás – como em A Noite de Varennes, de 1982, outro dos seus filmes mais populares, uma evocação da revolução francesa com um elenco internacional onde pontificava, mais uma vez, Mastroianni.

E a Mastroianni deu Scola alguns dos principais papéis do último período da carreira do actor, como Macaroni (ainda com Jack Lemmon, na altura já uma lenda vida de Hollywood), em 1985, e Splendor, em 1989. Fez o mesmo com Gassmann, protagonista, na pele do patriarca, de A Família, filme de 1987. Sem estrelas nem grandes vedetas, contudo, se fez o que porventura foi o maior sucesso de Scola nos anos 80, O Baile (1983), evocação de décadas de história do século XX a partir de cenas de música e dança num cabaret francês. Mais recentemente, evocou o seu amigo e colega Federico Fellini em Que Estranho Chamar-se Federico (2013), último filme que realizou.

Scola dizia que o ofício de realizador era “o mais complicado que tinha tido”. Estava provavelmente mais à vontade com a escrita e com o argumento, que praticou abundantemente durante perto de 60 anos, resultando em perto de noventa filmes, seus e de outros. E aqui nunca será de mais frisar a importância capital do seu contributo para o cinema italiano dos anos 50 e 60, as suas colaborações com Dino Risi (foi um dos co-argumentistas de A Ultrapassagem, de 1962, um filme absolutamente essencial) ou com o hoje mais esquecido, injustamente, Antonio Pietrangeli, para quem escreveu filmes notáveis como Fantasmas em Roma, Adua e le Compagne ou Io la Conoscevo Bene, também nos princípios da década de 60.

Scola era pouco dado a intervenções públicas, e preferia confessadamente “que se falasse dele o menos possível”. Numa das suas últimas entrevistas, em 2012, deixava um conselho aos jovens cineastas italianos: “Esqueçam a autobiografia, que é um bicho feio; amem a Itália, não poderão fazer bons filmes se não amarem a Itália”. Podia estar a falar dele próprio, cineasta cujos filmes revelarão, afinal, bem pouco sobre ele próprio, mas dizem e testemunham muito do que a Itália foi nas últimas décadas.

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