Campanha 2.0: pode o online “eleger” o Presidente?

Na corrida a Belém, nenhum candidato dispensa a campanha digital. Têm site, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, Google +, dois deles apostaram até em aplicações para telemóveis. Mas não há interacção com os cidadãos eleitores.

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É nos debates televisivos, frente a frente, que a disputa, o conflito e a competição entre os candidatos se acentuam Daniel Rocha

Há um acto simbólico embrulhado no plano de comunicação digital de Sampaio da Nóvoa. Quando, há mais de um mês, o candidato inaugurou a utilização de aplicações móveis em campanhas presidenciais, não queria apenas marcar pontos no mundo tecnológico. Desejava, acima de tudo, estar sintonizado com uma ferramenta semelhante a uma estratégia global de campanha há muito traçada — “de um novo tempo e virada para o futuro”. Depois veio Marcelo Rebelo de Sousa, que dispensou outdoors e ignorou as redes sociais mas decidiu apostar numa app para se aproximar dos eleitores. Na corrida a Belém, nenhum dos dez candidatos ousa virar costas ao “incontornável” palco 2.0. Sites, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, Google + – a política portuguesa escancarou as portas ao mundo digital e os canais e as mensagens multiplicam-se. E a eficácia, também?

Foi na entrada deste milénio, há já 16 anos, que Ana João Sepúlveda se aventurou na escrita do livro Marketing Político na Internet. Na altura, a relação com a rede era, para muitos portugueses, um casamento fresco – e em muito diferente das actuais ligações ao estilo “conectados-sempre-e-em-qualquer-lugar”. Na política, olhar para um candidato como alguém que “tem de ser dado a conhecer e, de certa forma, deve ser vendido aos eleitores” ainda não era propriamente pacífico. Estávamos em 2000 e “desde aí tudo mudou, e muito”, analisa a autora, especialista em comunicação. A introdução da internet “no léxico dos candidatos” inicia-se por estes anos e nas eleições seguintes notar-se-ia já uma utilização “mais expressiva”.

Estava estreado um novo palanque. E dali viria um mundo de possibilidades: o fim da comunicação unidireccional característica das televisões e o princípio da comunicação não mediada, longe da intervenção dos jornalistas, uma porta aberta à proximidade e ao diálogo com os eleitores, e até a possibilidade de desenhar campanhas “informais e obscuras” onde, com a criação de perfis falsos e outras estratégias, “grupos organizados e agências de comunicação” tentam conquistar eleitores e destruir candidatos, denuncia a investigadora em comunicação política Rita Figueiras. Adicionalmente, tudo isto passou a ser feito de forma mais barata, quando comparado com as tradicionais campanhas de comunicação. “No início, existiu a ideia de que a internet iria colmatar falhas de comunicação e iniciar uma nova fase”. Mas o que aconteceu a seguir, diz a investigadora, foi um pouco diferente.

Uma campanha digital perfeita sem o envolvimento dos cidadãos mais não é do que um “repositório de informação das candidaturas” — e, no capítulo de interesse dos portugueses pela política, a tecnologia pode fazer muito pouco, defende Rita Figueiras: “Pessoas sem interesse podem estar um dia inteiro na internet e nas redes sociais e deixar de lado tudo o que não querem ver. Não é a tecnologia que provoca interesse.”

 A análise, salienta, é válida para qualquer outra ferramenta: outdoors, comícios, arruadas, debates — tudo pode ser um imenso saco roto se não houver disponibilidade para receber a mensagem. A que pode, então, aspirar uma campanha digital? “Funciona como uma instância de reforço. Quem é politicamente activo pode ter aqui uma via para se envolver ainda mais. Quando não há interesse, a probabilidade de ser a tecnologia a envolver a pessoa é extremamente reduzida.”

A sentença não surpreenderá totalmente os estrategas de comunicação dos candidatos a Belém. Questionados pelo PÚBLICO sobre a importância conferida à Internet e às redes sociais como ferramentas de marketing político, uma palavra uniu quatro dos candidatos com mais intenções de voto, segundo as sondagens até agora reveladas: “complementaridade”. Dito de outra forma: ninguém vai a jogo sem ela, ainda que ninguém vá a jogo só com ela. Rita Figueiras sintetiza: “Os media sociais tornaram-se incontornáveis. Não podem deixar de estar presentes, ainda que se saiba que nenhuma campanha depende disso. O digital isolado não ganha eleições, mas é um bocadinho como os cartazes: não se sabia para que serviam ou se tinham algum efeito, mas ninguém ousava não os ter.”

Num inquérito sobre “O Uso das Plataformas Online”, coordenado em 2014 pelo politólogo André Freire, 61% dos deputados questionados atribuíam uma importância significativa à internet e às redes sociais e apenas 1% disseram não ver interesse nestes meios. Os resultados, parcialmente adiantados ao PÚBLICO por Mafalda Lobo, coordenadora das questões relativas à comunicação política online, serão divulgados em breve. O certo, salienta a investigadora, é que mesmo sem saber exactamente qual a influência do meio digital na decisão de voto, já nenhum político o dispensa.

Como se faz, então, um presidente? A pergunta foi feita pelo jornalista Alexandre Coutinho em 1990, quatro anos depois de Mário Soares ter sido eleito Presidente da República pela primeira vez, numa tese de licenciatura posteriormente editada em livro. Há 25 anos, uma campanha eleitoral era essencialmente o que se via no televisor: “O acento é posto agora na iluminação, nos ângulos de câmara, na maquilhagem, nos ensaios em palco e numa boa direcção e produção, mais do que na mensagem. Os candidatos são packaged para distribuição pública como caixas de detergente”, lê-se, numa citação do autor Sig Mickelson. Onde outrora reinava o poder da palavra, ganhava espaço, na altura, “o poder da imagem”. Mas a influência da televisão, escrevia Alexandre Coutinho, não era “directa e pontual” mas antes “subliminar e sedutora”.

 Um quarto de século não fez desaparecer a sedução do pequeno ecrã e a televisão “continua a ser o meio mais consumido e o mais utilizado para obter informação”, analisa Rita Figueiras, com a concordância de Mafalda Lobo: “É nos debates [televisivos] frente-a-frente que a disputa, o conflito e a competição mais se acentua entre os candidatos, e é em função de uma melhor ou pior performance do candidato que a escolha para a liderança de um Governo ou Presidente pode ser determinante.” Mas voltemos ao inquérito “O Uso das Plataformas Online”. Questionados os deputados portugueses sobre a perda de preponderância da TV relativamente aos meios online, fica a imagem de uma divisão perfeita: metade acredita estar a acontecer, a outra metade diz o contrário.

Campanhas em níveis semelhantes
As três especialistas ouvidas pelo PÚBLICO fazem uma avaliação razoável de todas as campanhas digitais, ainda que com diferentes perspectivas. “De uma forma geral, as campanhas podem ser equiparadas às encontradas noutros países ocidentais. Nota-se talvez uma maior profissionalização nos candidatos com mais notoriedade, mas genericamente não destoam”, diz Rita Figueiras. A mais optimista em relação à margem de influência da campanha 2.0, Ana João Sepúlveda, dá nota positiva ao “estilo de proximidade” de Marisa Matias (a única que fala na primeira pessoa), à “coerência” de Edgar Silva e à “utilização das cores nacionais” nas campanhas de Marcelo e Maria de Belém. Do candidato Sampaio da Nóvoa, esperava “uma postura mais nacional”. Ainda que destaque o mérito da presença digital generalizada dos dez candidatos, Mafalda Lobo não esconde algum desalento: “Não há interacção com os cidadãos, há pouca originalidade na apresentação de conteúdos próprios (com excepção da apresentação de fotografias dos vários eventos de campanha), em que apenas se verifica uma mera replicação dos conteúdos destacados noutros meios.”

As estratégias das equipas dos candidatos para o palco 2.0 não destoam significativamente. “O digital abre portas a uma comunicação não mediada e isso é positivo. Mas é um meio complementar, nem mais nem menos importante do que os tradicionais”, considera Pedro Sales, um dos responsáveis pela estratégia de comunicação de Sampaio da Nóvoa, num discurso muito semelhante ao das outras campanhas. O antigo reitor tem um site e está presente no FacebookTwitter,Instagram e YouTube, sendo assim a candidatura com mais canais abertos entre os cinco com mais intenções de votos. A aplicação móvel, disponível para Android e iOs, foi descarregada mais de 500 vezes e já leva os louros de conseguir “gerar mais ‘pageviews’ do que o site”, contou ao P3 Celestino Alves, um dos responsáveis pela app, feita em modo voluntário por designers, programadores e pessoas ligadas aos media.

A destoar desta forte aposta encontra-se o candidato apoiado pelo PSD e CDS. Sob o lema de uma campanha low cost — muito rebatida pelos opositores por causa da sua presença mediática como comentador —, Marcelo Rebelo de Sousa dispensou as redes sociais e apostou simplesmente num site e numa aplicação móvel, disponível para o sistema operativo Android e iOs. As respostas da candidatura às perguntas do PÚBLICO relativamente a esta estratégia não chegaram até ao fecho desta edição.

Para a equipa de Maria de Belém, este é “um novo mundo cheio de possibilidades, nomeadamente para chegar aos eleitores mais jovens”. A gestão da comunicação digital da ex-ministra da Saúde está entregue a voluntários e, além do site, a aposta recaiu nas redes sociais “mais populares em Portugal e utilizadas pelo público-alvo, maiores de 18”: o Facebook, o Twitter e o YouTube. Os mesmos meios utiliza o candidato do PCP, Edgar Silva, para quem o digital é um “meio complementar” ao “contacto directo” privilegiado pelos comunistas. Marisa Matias — apetrechada com um site, uma página do FacebookTwitter e Instagram — fez questão de continuar a assumir a gestão das redes sociais, recorrendo à ajuda da equipa apenas quando a agenda não lhe permite estar tão presente.

Com 5,6 milhões de utilizadores, o Facebook é a rede social mais utilizada em Portugal. E, nesta campanha, é curioso verificar que o candidato com mais seguidores não está entre os mais bem colocados para a vitória. Com mais de 51 mil “likes”, o vice-presidente (com mandato suspenso) da associação cívica Transparência e Integridade, Paulo de Morais, é o mais popular no Facebook, seguido de Sampaio da Nóvoa (29.787), Marisa Matias (20.352) e Maria de Belém (18.373). Marcelo Rebelo de Sousa tem diversas páginas no Facebook, com vários milhares de seguidores, mas nenhuma é oficial.

A utilização do Facebook e do Twitter numa eleição presidencial foi em 2011 alvo de estudo na tese “Política 2.0” de Tiago Edmundo Moreira, onde analisou, então, a última corrida a Belém. “Fernando Nobre e Cavaco Silva estiveram sempre, ou quase sempre, na linha da frente. Reuniram mais seguidores, publicaram mais, obtiveram mais reacções, foram mais ambiciosos e criativos”, analisa o mestrando da Universidade do Porto. O Twitter revelou ser uma “rede marginal”, mas o Facebook mostrou-se “positivo e eficaz”, apesar de a comunicação carecer de “alguns ajustamentos e aperfeiçoamentos no modo como é feita”.

Caso de estudo em universidades de todo o mundo e manual de cabeceira para muitos especialistas de comunicação foi a estratégia digital de Barack Obama. Em 2008, fez história, não só por ser o primeiro afro-americano a conquistar a presidência do país, mas também por se fazer eleger com base numa campanha detalhadamente pensada nas redes sociais. Sem a internet, considerou na altura o veterano especialista em comunicação política Colin Delany, “Barack Obama continuaria a ser o Senador do Illinois”. A avaliação não é consensual, mas o impacto da internet nas eleições sim: nesse ano, esta tornou-se a terceira fonte de informação política, depois da TV e dos jornais, ultrapassando a rádio, e 74% dos utilizadores de internet nos Estados Unidos (mais de metade da população) usou a web para se informar sobre a campanha.

A campanha Obama Everywhere envolveu 16 redes sociais e permitiu ao candidato juntar 500 milhões de dólares em donativos. Mafalda Lobo fala numa “alteração na forma de fazer marketing político”, Rita Figueiras de “uma narrativa construída”. “Todo o contexto de 2008 é extremamente complexo. Foi uma campanha digital feita em ligação com a restante”, considera. Mas o decalque da estratégia americana não é milagroso. Prova disso é a campanha de José Sócrates em 2009: feita pela mesma agência de comunicação, não teve resultados semelhantes. “Aos poucos foi até sendo retirada de cena porque era a demonstração plena de que as pessoas não estavam envolvidas na campanha.”

Resultados só mesmo a 24 de Janeiro, com duas certezas: a medição da influência do mundo digital nas intenções de voto dos portugueses será uma incógnita e os políticos continuarão a não dispensar o 2.0. Quanto mais não seja, diz Rita Figueiras, pela “profunda relação entre uma ideia de progresso e a tecnologia” — e um Presidente até pode não se "eleger" online mas quer-se “um Homem do seu tempo”.

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